"Não é o FMI, a crise, a corrupção ou o novo campeão nacional que marcam a actualidade portuguesa. Não, o que está na ordem do dia é o acto de desligar o interruptor que cortou a luz que testemunhava a festa de um clube rival no nosso Estádio.
Esse gesto – que eu considero precipitado e pouco digno dos pergaminhos do nosso Benfica – tem servido para que os bobos da corte se arvorem em torquemadas do moralismo. Assim, tem sido um desfilar patético de moralidadezinha em bicos de pés. O que se está a ver é um desfile hipócrita, em que tentam colocar um apagão no mesmo patamar de anos e anos de violência e crimes de corrupção. Critico o apagão, mas não dou para o peditório dos anjinhos de procissão que tentam branquear, com um apagão, trinta anos de crimes de lesa-desporto, lesa-futebol e lesa-país. Neste cortejo de penitentes, estão lá todos os que calaram, esconderam e branquearam recentes e idos episódios de violência. Episódios indignos que por muito pouco não resultaram em tragédia. Em suma, para este peditório não dei nem dou.
Registo que, em Lisboa, os dirigentes do adversário do passado fim-de-semana puderam passear-se antes do jogo. Fizeram-no em paz. Registo que, em Lisboa, os adeptos rivais podem festejar livremente na rotunda do Marquês de Pombal. Registo que, em Lisboa, nenhum adepto do FC Porto teve de se barricar na casa desse clube para proteger a sua vida.
Registo que o único mérito que o dito apagão teve foi o de iluminar a face dos que acenderam a velinha da hipocrisia moral. Agora, conheço-lhes as sombras do rosto."