Benfica
As "Papoilas Saltitantes" e as papoilas da Flandres
"Em Novembro, as papoilas tomam conta das camisolas dos clubes de Inglaterra. Talvez Gilbert Becaud não tivesse razão. Talvez o mais importante não seja a rosa e sim a papoila...
Já devem ter reparado: no segundo fim-de-semana de Novembro as papoilas saltitam nos campos de Futebol de Inglaterra. Não são as 'Papoilas Saltitantes' das camisolas berrantes nos campos a vibrar, de que falava Paulino Gomes Húnior e que cantava Luís Piçarra. São as papoilas da Flandres. E também elas têm uma chama imensa.
Houve quem apelidasse o acontecimento de 'The Poppy Apeal', o apelo da papoila. É coerentemente solene.
Se ainda não repararam, eu chamo a atenção. De há três ou quatro anos a esta parte, as equipas inglesas surgem em campo com uma papoila incrustada no equipamento, enquanto os seus treinadores colocam a flor na lapela. O fenómeno dá à luz em meados de Novembro - a data precisa deveria ser o 11 do 11, mas já não há datas precisas em Futebol. Não é nenhuma homenagem ao Benfica, que me parece ter, pelo que eu sei, o monopólio da alcunha de papoilas para um Clube de Futebol. Mas não deixa de ser uma proximidade curiosa. E, como é óbvio, não se resume ao Futebol. Mas é do Futebol que falamos por ora.
O apelo da papoila surgiu em 1921. Procurava angariar fundos para sustentar o trabalho caritativo da Royal British Legion na ajuda às damílias dos combatentes caídos durante a Guerra de 1914/18. A ideia surgiu de um poema: 'In Flanders Fields', do tenente-coronel John McRae - 'In Flanders fields the poppies blow / Between the crosses, row on row'. E assim, com uma papoila na lapela se homenageavam os soldados que combateram na Flandres. Ora, muitos desses soldados eram portugueses, e muito provavelmente grande número deles adeptos do Benfica que já era, na altura, uma grande força desportiva nacional.
Um tal de soldado Milhões
Lys é uma ribeira da Flandres Francesa. 9 de Abril de 1918: dia da Batalha de La Lys. Dos 7500 portugueses presentes no acampamento de Levantie, morreram mais de mil. Isto é: La Lys somou, num só dia, metade das baixas portuguesas na I Grande Guerra.
Numa altura em que os soldados portugueses caíam como tordos, houve um que não esteve pelos ajustes: Aníbal Augusto Milhais. Pegou na metralhadora e começou a despejar carregadores, cobrindo a fuga dos camaradas sobreviventes. Foi tamanha a sua decisão que o comandante, Ferreira do Amaral soltaria, mais tarde, uma tirada à António Silva num filme de Cotinelli Telmo:
-Ò homem! Você pode chamar-se Milhais, mas vale Milhões!
Ficou conhecido como Milhais Milhões. Mas sobreviveu. Não ficou reduzido a uma papoila na lapela como muitos dos seus camaradas.
Hoje, no mês de Novembro, em Inglaterra, todas as equipas da I Liga exibem a papoila nos seus equipamentos. Mas o primeiro clube a lembrar-se disse foi o Leicester City, em 2003, chegando mesmo o seu maneger, Micky Adams, a propor que jogassem sempre com a papoila. A razão era simples: enquanto jogou com a papoila, não perdeu.
O Benfica, claro, não precisa de papoilas na camisola. Pelo que diz a canção, são as próprias camisolas que são papoilas. O seu autor, letra e música, foi Paulino Gomes Júnior, director do Jornal 'O Benfica'. A estreia pública de 'Ser Benfiquista' teve lugar no dia 16 de Abril de 1953, no Pavilhão dos Desportos, na ocasião de um sarau que tinha como objectivo angariar verbas para a construção do Estádio da Luz.
Luís Piçarra - de seu nome completo Luís Piçarra Valterazzo y Ribadanayra - foi, muito provavelmente, o maior cantor lírico português de todos os tempos. Nessa noite, a sua voz arrebatou a multidão presente no pavilhão e provocou uma euforia e uma manifestação clubista raramente vista. Paulino Gomes Júnior foi forçado a abandonar o piano, no qual tocara a canção, e a tomar a batuta do maestro, Vítor Bonjour, dirigindo a orquestra na repetição de número musical. O encore foi sublinhado com um entusiasmo ainda maior. As papoilas tomavam conta do Benfica em forma de canção... Talvez Gilbert Becaud estivesse enganado. Talvez o mais importante não seja a rosa. Talvez seja a papoila..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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