Benfica
Às voltas com a palavra «derby»
"Para citar Garcia Lorca, o grande poeta andaluz, os Benficas-Sporting têm duende. Têm enredo e paisagem como os romances. Têm vidas inteiras dentro deles. Vinganças, amores e ódios.
«Derby é derby», diz-se à boca cheia. A semana passada trouxe aqui à memória colectiva um dos «derbies» mais excitantes da chamada pré-história do futebol português. Às vezes temos de ir às raízes do passado para perceber a realidade do presente e para onde nos conduz o futuro.
Nisto de crónicas, como aquelas que aqui vos costumo deixar, não há que ter medo do tempo. Andemos pois em redor da palavra «derby», às voltas como o cão que persegue a própria cauda.
Por exemplo: Benfica-Sporting, para mim, é um romance.
O romance dos Benficas-Sportings.
Têm enredo e paisagem. Tem vidas inteiras dentro dele. Tem vinganças, amores e ódios. Tem sentimentos que ninguém consegue e explicar racionalmente porque é exactamente um «derby». Tem magia. «Tem duende», como dizia Garcia Lorca.
Frederico Garcia Lorca nasceu na Andaluzia, em Fuente Vaqueros. Um dia escreveu a «Teoria e Prática do Duende». Dizia: «Assim pois o duende é um poder e não um obrar, é um lutar e não um pensar. Eu ouvi um velho violinista dizer: 'o duende não está na garganta; o duende sobre por dentro a partir da planta dos pés'. Ou seja, não é uma questão de faculdade, mas de verdadeiro estilo vivo; ou seja, de sangue; ou seja, de velhíssima cultura, de criação em acto».
Formidável não é?
Pois os Benficas-Sporting estão cheios de duende.
E tem personagens: algumas enormes, elaboradas como se saíssem das páginas de Dostoiescki, outras apenas secundárias. E figurantes, também.
Quase tudo se foi passando em Lisboa. Muito pouco fora de Lisboa.
Mas também houve Benficas-Sportings longe de Lisboa. Mesmo muito longe de Lisboa: em Angola e Moçambique, nesse tempo pérolas de um Império que ia, uno e indivisível, do Minho a Timor. Em em Paris e nos Estados Unidos da América.
Os Benficas-Sporting também marcavam as paisagens.
Vamos lá finalmente ao «derby»
E agora vou falar da palavra derby.
Diz o «Oxford Advanced Learner's Dictionary»: «A sports competition between teams from the same area or town: a local derby between the two North London sides # a derby match».
Demasiado seco para palavra futebolistamente tão suculenta.
Nada, então, como viajar um pouco.
«Football And The English - A Social History of Association Football in England, 1863-1995», Dave Russel, Carnegie Publishing 1997.
«Soccer at War - 1939-45, The Complete Record of British Football and Footballers During the Second World War», Jack Rollin, Headline Book Publishing 2005.
«The F.A. Vup - The Complete Story», Guy Lloyd e Nick Holt, Aurum Press 2005.
«Famous Football Programmes», John Lister, Tempus Publihing 2003.
Em todos estes livros se encontram referências à palavra derby.
Derby: pronuncia-se dar-bi em inglês das ilhas. A origem do termo vem da cidade de Derby, terra do velho Derby County.
Há um bom número de teorias sobre a forma como se passou a aplicar ao futebol.
Uma das mais consistentes liga-o ao Royal Shrovetide Football, uma disputa anual entre os habitantes de Ashbourne, Derbyshire. Uma teoria paralela, admite a mesma génese mas aplicada ao Shrovetide de Derby. Ao que parece, este jogo era algo de selvagem e caótico, envolvia todos os naturais de Derby e resultava geralmente numa lista bastante razoável de mortos e feridos.
Como se jogava? Aí a coisa complica-se. Sabe-se que havia cerca de 1000 jogadores em campo e o campo era toda a cidade, com balizas a norte e a sul, em Nuns Mill e Gallows Balk. Balizas aqui tem um significado bastante lato, naturalmente.
Em 1829, um observador francês, francamente horrorizado com tal exibição de brutalidade colectiva, escreveu: «Se isto é o que os ingleses definem como um jogo, então não faço ideia do que seja para eles uma luta».
Outra teoria ainda defende que o termo advém das corridas de cavalos fundadas em 1870 pelo 12.º Earl de Derby e chamadas, precisamente, de The Derby.
Certo é que derby tem em si enraizada a força de uma rivalidade profunda, entre gente que é próxima e exige desforras e se recusa a esquecer as desfeitas.
Gente que se deixa levar pela raiva de um fel de irmãos.
Há muita história e muitas histórias em redor dos Benficas-Sporting.
Um jogo que ultrapassa a própria grandeza de um nome."
Afonso de Melo, in O Benfica
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