As Vozes do Crime
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As Vozes do Crime


"Quando a mensagem não agrada, ataca-se o mensageiro. Foi assim em tempos antigos, e no futebol português, muitos séculos depois, a máxima continua a aplicar-se.
Perante a publicação de conversas que expõem, de forma pornográfica, o clima de podridão em que muitos campeonatos nacionais de futebol decorreram, perante a revelação de obscuras manobras de influência e viciação de resultados, o que interessa a alguns puristas deste país é salientar (e castigar) a atitude de quem – decerto indignado com a impunidade que brotou dos tribunais - as trouxe aos nossos incrédulos ouvidos. Perante graves crimes de corrupção, estas virgens ofendidas preocupam-se com pequenos ilícitos processuais, pretendendo, sob as asas do acessório, abafar o essencial.
Aos Ruis Moreiras deste país, pouco importa o conteúdo das escutas. Nada interessa que elas demonstrem, passo por passo, os métodos seguidos, durante anos, pelo seu clube, e que deixem a nu o aspecto central de toda esta questão: a justiça civil portuguesa, mergulhada num mar de insuficiências e equívocos, falhou neste processo. A eles apenas interessa o silêncio. Ou antes, uma cortina de fumo que transforme culpados em vítimas, e crimes graves em coisa nenhuma. Interessa, sobretudo, manter a capa de legitimidade que muitos dos títulos conquistados pelo FC Porto se percebe não merecerem.
As escutas telefónicas não são uma prática simpática, e ninguém gostaria de viver num país em que qualquer conversa pudesse ser escutada sob qualquer pretexto. Mas muito pior do que isso é viver num país em que os crimes ficam invariavelmente impunes, e os seus autores são objectivamente convidados a reincidir, em nome de um sistema ultra-garantístico, de operacionalidade labiríntica, de isenção questionável, e de eficácia nula, que é capaz de absolver mesmo dispondo de provas óbvias diante do seu nariz, virando cinicamente as costas às evidências. Neste caso concreto, nenhum cidadão de boa fé entende como puderam ser desprezadas escutas que já existiam, e provavam claramente os actos em apreço. E quando um sistema de justiça deixa de ser entendido pelo cidadão comum, deixa de cumprir a sua missão. Deixa de ter utilidade. Não serve para nada.
É ilegal a publicação das escutas? Pois que seja. Em face de uma “justiça” entorpecida, decadente e moribunda, quase se torna moralmente legítimo que o cidadão ignore algumas das obtusas normas com que o pretendem afastar da verdade. Há muito que não acredito na justiça em Portugal. Logo, não acredito no equilíbrio ou pertinência das suas vielas processuais, que na maioria das vezes - e suspeito que seja precisamente essa a sua razão de ser – apenas conduzem a becos de impunidade. Mais do que um “Estado de Direito” de fachada, interessa ao país um “Estado de Justiça”, em que a verdade seja devidamente apurada, e o crime seja devidamente punido. O Apito Dourado, e todos os seus contornos, mostram que, lamentavelmente, vivemos muito longe dessa realidade.
De resto, não estamos aqui perante qualquer violação gratuita da privacidade de ninguém. Nenhuma das escutas publicadas revela conversas de teor familiar, ou remete para qualquer circunstância privada da vida dos indivíduos em causa. Todas as escutas tratam de esquemas de favorecimento. Todas tratam de jogos de bastidores. Todas tratam de corrupção desportiva. Todas tratam de crimes. Por isso tanto nos interessam. Por isso tanto interessam ao futebol português, e deviam interessar também aos tribunais.
É em nome da justiça, e, sobretudo, em nome da verdade, que elas devem ser ouvidas, divulgadas, debatidas e comentadas. Há quem as tente desesperadamente silenciar, mas se ainda existem alguns aspectos positivos nesta globalizada sociedade da informação, um deles é precisamente o facto de permitir aos cidadãos fazer ouvir democraticamente a sua indignação, sem que os bloqueios das forças do situacionismo, do medo, ou da subserviência, o possam impedir.
Ninguém nos vai devolver os campeonatos perdidos. Ninguém nos vai ressarcir dos danos directos e indirectos que décadas de vício nos impuseram. Se a justiça não fez o seu papel, se os prevaricadores continuam a rir-se dela, do futebol, do país e de todos nós, pouco mais nos resta do que a revolta. E perante ela, pedirem-nos para tomar em conta aspectos de ilicitude lateral não é mais do que um desprezível insulto à nossa inteligência."
Luís Fialho, in Vedeta da Bola (e O Benfica)



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