Benfica, Selecção e Clubes do Regime
Benfica

Benfica, Selecção e Clubes do Regime


OPINIÃO

A selecção de futebol portuguesa a jogar no Estádio do SLB (ou num estádio do Benfica, qualquer que ele tenha sido) não é "normal". É uma anormalidade histórica.


A primeira selecção nacional e seguintes
A primeira vez que houve um conjunto de futebolistas, nascidos em Portugal, reunidos para representar o País ocorreu em 18 de Dezembro de 1921. Mais de sete anos depois da fundação da Federação Portuguesa de Futebol (31 de Março de 1914) organizada com vários objectivos, mas fundamentalmente a "peça" que permitia à FIFA reconhecer os jogos. Sem uma federação de futebol reconhecida pela FIFA (ou seja, dependente desta federação internacional), esta não aceitava como válidos os jogos internacionais de futebol entre selecções de jogadores.
Entre os adeptos Benfiquistas mais antigos (dos que conheci já nenhum se encontra ente nós) sempre fez "alguma confusão" porque é que a FPF nunca formou uma selecção no tempo em que o SLB dominava o futebol em Lisboa e Portugal, ou seja quando eram do Clube os melhores futebolistas portugueses. O "Glorioso" foi campeão regional 1913/14, 1915/16, 1916/17, 1917/18 e 1919/20. E nos confrontos frente ao clube - FC Porto - que tradicionalmente vencia os jogos organizados pela Associação de Futebol do Porto dominava: 8-2 (no Porto, em 1912) e 9-0 (1914), por exemplo.
Assim, não era por acaso que alguns destes Benfiquistas falavam da selecção como uma espécie de filha bastarda do futebol em Portugal.


Futebol português na Primeira República
Até ao 28 de Maio de 1926 a selecção portuguesa realizou quatro encontros em Portugal, três em Lisboa no estádio do Lumiar e um no Porto, no estádio do Ameal, o único relvado da cidade. O estádio do Lumiar nesse tempo pertencia a uma empresa de aluguer de eventos, depois dos herdeiros de José de Alvalade (o seu mentor) o terem concessionado.
O Benfica jogava no estádio de Benfica (quinta de Marrocos). Zero jogos!

JOGOS EM PORTUGAL (1921 – 1926)
DA SELECÇÃO NACIONAL
Estádios
Proprietário
Total jogos
Lumiar/Lisboa
Alugado
3
Ameal/ Porto
SC Progresso
1
NOTA: Os estádios estão ordenados por ordem cronológica de utilização

A selecção durante o Estado Novo
Ao contrário do que se faz crer, o Antigo Regime nunca se interessou muito pelo futebol que considerava um desporto de paixões e irracionalidade, atreito a manifestações públicas descontroladas. Havia muito mais apoio e fomento, até através da Mocidade Portuguesa, para os desportos que tinham ligações históricas aos mitos da portugalidade - guerreiros e descobridores: Vela, Esgrima, Equitação, que conseguiram para Portugal as primeiras medalhas (prata e bronze) olímpicas. Quando o hóquei em patins começou a conquistar títulos continentais e mundiais houve fomento deste desporto, desenvolvendo acções mediáticas para promover a sua popularidade. Quanto ao futebol quem é que quereria ligar-se, a nível de poder, a um desporto cujos melhores futebolistas eram frequentemente vergados a derrotas copiosas: 9-0, 9-1, 5-0, 4-0 e outras goleadas?
Até à construção do Estádio Nacional, no vale do Jamor, inaugurado em 10 de Junho de 1944, a selecção actuou em Portugal em 25 jogos, utilizando quatro estádios, dois em Lisboa: Lumiar (13 jogos) e Salésias (5 jogos); e dois no Porto: Ameal (5 jogos) e Lima (2 jogos)
O Benfica jogava no estádio das Amoreiras (1925-1939) e Campo Grande (depois de 5 de Outubro de 1941). Zero jogos!

JOGOS EM PORTUGAL (1926 – 1944)
DA SELECÇÃO NACIONAL
Estádios
Proprietário
Total jogos
Ameal/Porto
SC Progresso
4
Lumiar
Alugado
10
Lima/ Porto
Académico FC
2
Salésias
CF “Os Belenenses”
5
NOTAS: Os estádios estão ordenados por ordem cronológica de utilização;
O desmantelamento do Ameal (no processo que deu origem aos Andrades) “levou” a selecção para o estádio do Lima

Estreia num estádio do Benfica.... 50 anos depois
Foi necessário esperar 50 anos para os dirigentes (e os adeptos) do Benfica verem a estreia de Portugal no seu estádio. Incrível! Entre 1954 e 1971 a selecção nunca jogou no estádio do Benfica! Num estádio onde jogavam, com regularidade, quase todos os melhores futebolistas portugueses (chegaram a jogar onze em simultâneo num jogo da selecção!). Num estádio que tinha grandes jogos europeus todas as épocas. Num estádio que era o maior e melhor de Portugal. Nada de selecção até 21 de Abril de 1971. O Regime, afinal, nada queria (e evitava) o Benfica.
O Benfica jogava no estádio do Campo Grande (1941-1954) e Luz (depois de 1 de Dezembro de 1954). Zero jogos!

JOGOS EM PORTUGAL (1945 – 1971)
DA SELECÇÃO NACIONAL
Estádios
Proprietário
Total jogos
Estádio Nacional
Estado
42
Antas
FC Porto
9
José Alvalade
Sporting CP
4
Restelo
CF “Os Belenenses”
1
Salazar/ Lourenço Marques
Estado/
Moçambique
1
NOTA: Os estádios estão ordenados por ordem cronológica de utilização

Últimos dias do Regime
Foi preciso "esperar" a queda de António Salazar e ascensão de Marcelo Caetano (associado ilustre do Sporting CP) para ver a selecção nacional a jogar num estádio do Benfica.

JOGOS EM PORTUGAL (1971 – 1974)
DA SELECÇÃO NACIONAL
Estádios
Proprietário
Total jogos
Luz
SL Benfica
5
Antas
FC Porto
1
José Alvalade
Sporting CP
1
NOTA: Os estádios estão ordenados por ordem cronológica de utilização

Democracia e propaganda
Ao contrário do que se faz crer o Regime Democrático (se bem que legitimado em eleições) tem-se aproveitado muito mais do futebol que o Regime Autocrático extinto em 25 de Abril de 1974. O Antigo Regime viveu afastado do futebol excepto em momentos de exaltação dos valores do nacionalismo: inauguração do Estádio Nacional (1944), conquistas europeias do Benfica (1961 e 1962), conquista da Taça dos Vencedores das Taças pelo Sporting CP (1964) e 3.º lugar dos "Magriços" no Mundial (1966). Por exemplo, o poder autárquico, caciquista e interesseiro, tem feito aproveitamento do futebol, por vezes de um modo intolerável. Ter ou não ter a selecção na autarquia envolve lutas e demonstrações de poder ou, pelo menos, de capacidade de influência junto dos "poderosos".

JOGOS EM PORTUGAL (1974 – 2004)
DA SELECÇÃO NACIONAL
Estádios
Proprietário
(ou clube com mais jogos)
Total jogos
Antas
FC Porto
20
José Alvalade
Sporting CP
13
Bonfim
Vitória FC Setúbal
5
Luz
SL Benfica
24
Barreiros
CS Marítimo
3
S. Luís
SC Farense
4
Estádio Nacional
Estado
7
Restelo
CF “Os Belenenses”
6
Municipal
Vitória SC Guimarães
3
Municipal
Ass. Ac. Coimbra
3
Municipal
UD Leiria
3
Portimonense SC
Portimonense SC
1
1.º Maio
SC Braga
6
Municipal
CD Portalegrense
1
Bessa
Boavista FC
3
Vieira Carvalho
Maia
1
Municipal
Torres Novas
1
S. Miguel
CD Santa Clara
1
Municipal
GD Chaves
2
Fontelo
CAF Viseu
1
Mário Duarte
SC Beira-Mar
1
NOTA: Os estádios estão ordenados por ordem cronológica de utilização

Construção Civil, SARL Ilimitada
O futebol nunca esteve tão activo - pelo menos a fazer obras - como nos anos que antecederam a realização do campeonato da Europa em 2004. Mais uma vez as autarquias estiveram em "banquete" a dividir milhões: um fartote.

JOGOS EM PORTUGAL (2004 – 2013)
DA SELECÇÃO NACIONAL
Estádios
Proprietário
(ou clube com mais jogos)
Total jogos
Algarve
CM Faro/
CM Loulé
5
Municipal
SC Braga
3
Cidade
Ass. Ac. Coimbra
4
Municipal
RD Águeda
1
Bonfim
Vitória FC Setúbal
1
Dragão
FC Porto
7
SLB
SL Benfica
12
Alvalade XXI
Sporting CP
6
Municipal
SC Beira-Mar
4
Cidade
Gil Vicente FC
1
S. Miguel
CD Santa Clara
1
Municipal
SC Beira-Mar
3
CD Lusitano
Lusitano GC Évora
1
Bessa
Boavista FC
1
Fontelo
CAF Viseu
1
D. Af. Henr.
Vitória SC Guimarães
3
CD Covilhã
SC Covilhã
2
NOTA: Os estádios estão ordenados por ordem cronológica de utilização

Razões para a selecção nacional "fugir" do estádio da Luz durante 17 anos (1954 a 1971)
Os altos dirigentes do aparelho político - repressivo e corporativo - do Estado Novo e alguns dirigentes federativos evitavam cruzar-se no nosso Estádio com alguns dirigentes do Benfica, porque democratas, conotados com o "reviralho". Em Alvalade (rodeados de fascizóides) e nas Antas (a ferver de lambe-botas) estavam mais à vontade!
É que os Salazares Carreiras, Rebelos de Sousas, Botelhos Monizes e Gomes de Araújo (do governo); e os Maias Loureiros e Cazais Ribeiros (da federação) sentiam-se incomodados no nosso estádio onde podiam encontrar e cruzar-se com Manuel da Conceição Afonso, Borges Coutinho, José Magalhães Godinho ou Lourenço Gago, por exemplo. Preferiam as Antas, onde estimavam as cortesias de Cesário Bonito, Augusto Pires de Lima, Urgel Horta ou Ângelo César, entre outros presidentes do FCP e, também, deputados da União Nacional. Ou Alvalade, onde podiam conferenciar, conspirar e afinar estratégias políticas com Góis Mota, Brás Medeiros, Sá Viana Rebelo, António Ferreira, Oliveira Duarte ou Silva Pascoal, entre centenas de outros. 

Afinal quais eram os Clubes do Regime? Contra factos não há argumentos! Apenas mentiras, embustes e patranhas. Só uma Comunicação Social medrosa permite que se minta e se invente, protegendo os mentirosos e achincalhando quem é aldrabado…

Alberto Miguéns





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