Felizmente não passou a bola a ninguém
Benfica

Felizmente não passou a bola a ninguém


"Assim entrou para a lenda Cristiano Ronaldo - que já há muito tinha entrado para a história - com aqueles três golos iguaizinhos

DIFICILMENTE esquecerei aquele golo marcado por Karel Poborsky ao Sporting de Braga, em 1988, no Estádio da Luz.
Foi assim:
O checo pegou na bola à saída da área do Benfica e desatou a correr. Foi correndo e fintando todos os adversários e quando chegou à área adversária ainda se deu ao luxo de pregar uns quantos nós cegos em quem lhe apareceu pela frente antes de concluir a jogada com um remate certeiro que deu golo.
Vi esse jogo no estádio. Lembro-me do entusiasmo nas bancadas enquanto Poborsky avançava pelo campo sempre em grande velocidade e com a bola colada aos pés. Confiávamos todos no talento do checo e, em boa verdade, não confiávamos muito no talento da maioria dos seus colegas.
E, por isso mesmo, das bancadas gritava-se para Poborsky:
- Vai! Vai!
- Não passes a ninguém!
- Karel, não passes a bola!
E ele não passou a bola a ninguém e fez um golo inesquecível.
Na noite de terça-feira, muito me lembrei de Poborsky e dos incentivos dos adeptos do Benfica em prol da cavalgada solitária - não lhe fosse um colega estragar a jogada - ao ver Cristiano Ronaldo fazer precisamente a mesma coisa, e por três vezes, na Suécia.
Confesso-vos que ao ver Cristiano Ronaldo a receber a bola ainda longe da baliza sueca, transportei-me até aquele jogo de 1998 e dei comigo a gritar:
- Vai! Vai! Não passes a bola a ninguém!
E, felizmente, não passou. Assim entrou para a lenda Cristiano Ronaldo - que já há muito tinha entrado para a história - com aqueles três golos iguaizinhos, depois de três cavalgadas solitárias sem que o prodígio se tentasse com tabelinhas ou com outras menoridades do futebol colectivo.
Portugal está no Mundial de 2014.
Mas que grande artista.

JORGE JESUS foi suspenso por 30 dias pela justiça desportiva e só voltará ao banco do Benfica no fim de 2013. Deliberou rápido, em função dos padrões correntes, o Conselho de Disciplina da Liga e, quanto a mim, deliberou bem.
Não podia passar sem consequências o ataque de filoxera que acometeu o nosso treinador nos instantes que se seguiram à saborosa vitória do Benfica em Guimarães.
A justiça desportiva entendeu que o treinador do Benfica interpretou gestos grosseiros, à vista de todos, e que proferiu injúrias ao alcance de quem as ouviu e, neste particular, já não foram todos, apenas os circundantes.
Por sua vez, o CD da Liga, depois de ouvir os implicados, decidiu que Jorge Jesus não agrediu nem stewards, nem polícias, nem escuteiros e que também não atropelou nenhum fotógrafo numa eventual fuga para a frente. E mais uma vez vejo-me a concordar com a justiça desportiva. O treinador do Benfica, pelo que as imagens mostram, não bateu em ninguém,
Trinta dias de suspensão parece-me castigo suficiente para que Jorge Jesus, na próxima ocasião em que sinta a percorrê-lo as urgências do motim, pense duas vezes no assunto antes de avançar de peito feito contra as injustiças do mundo.
Admito que os adversários, especialmente os rivais do Benfica, considerem curto o castigo e não demorem a pôr cá fora que o Benfica domina isto tudo não só desde o tempo do Salazar como também do tempo do nosso rei D. Carlos I e último. É deixá-los falar. Ou, à laia de ponto final, digam-lhes que nós sabemos muito bem quem é que manda nisto tudo desde os últimos treze primeiro-ministros.
Voltando às coisas sérias, perdoem-me o interlúdio.
Também na justiça comum, e por causa dos mesmos desacatos, é Jorge Jesus alvo de um processo que já corre no Tribunal de Guimarães. Saúde-se, portanto, a celeridade da justiça, quantas vezes infamada por ser lenta, melhor dito, lentíssima. O treinador do Benfica, que arrisca pena de prisão, foi ouvido na passada segunda-feira no DIAP e saiu pelo seu pé.
É bem provável que Jorge Jesus vá malhar com os ossos nos calabouços primeiro do que o quarteto de jogadores do FC Porto acusados, também com suporte de imagem, de terem batido em dois stewards de serviço no Estádio da Luz, já lá vão quatro muito bem passados anos.
Quatro anos, é verdade. Como o tempo voa. Pelos jornais, ficou-se a saber que o treinador do Benfica se defendeu em sede de inquérito judicial descrevendo pormenorizadamente o incidente de Guimarães. Foi há tão pouco tempo que Jesus, já não sendo propriamente um jovem, lembra-se de tudo.
Já o incidente da Luz, por ter sido há quatro anos, não pode estar tão fresco na cabeça dos envolvidos. Helton, por exemplo, apesar de ser um homem razoavelmente novo não se lembra de nada do que se passou com os stewards na Luz. E foi precisamente isto que afirmou em tribunal o guarda-redes do FC Porto.
Alguém lhe pode levar a mal?

NAS selecções de Portugal dos pequeninos, os sub-21 e os sub-19, também a vida é bela. Esta semana despacharam os seus oponentes com grande pinta. Nas suas jovens selecções que estiveram em acção destacaram-se as exibições e os golos de um conjunto de jogadores do Benfica made in Seixal.
Não lhes vou escrever os nomes porque tudo o que contribua para cultos de personalidade em idades tão juvenis pode revelar-se nefasto. Mas que jogaram e marcaram como uns valentes, é indesmentível. Esta é uma boa notícia para os benfiquistas. A formação começa a dar frutos e é razoável pensar que, um dia destes, vamos começar a ter jogadores portugueses da casa na primeira equipa.
Já no jogo da Taça, com o Sporting, jogaram cinco portugueses de encarnado: André Almeida, Sílvio, Rúben Amorim, André Gomes e Ivan Cavaleiro. Nem todos foram titulares, é certo, mas todos deram o seu contributo numa noite muito especial e muito vibrante.
Estou quase tentado a pensar que, finalmente, temos berçário.

A Câmara Municipal de Lisboa vai comparticipar na edificação de um estátua a Cosme Damião, fundador do Benfica, através de um programa de apoio a propostas de cidadãos. Discutível? Sim, como tudo na vida.
Por uma questão de feitio, preferia uma estátua a Cosme Damião inteiramente paga por benfiquistas, cidadãos anónimos ou não tão anónimos, de modo a não ficar a dever nada aos poderes instituídos.
Se nos anos 50 do século passado, liderados por um presidente extraordinário, Joaquim Ferreira Bogalho, os benfiquistas construíram o Estádio da Luz à força de trabalho e de generosidade sem pedir um tostão ao Estado nem à Banca, não seria certamente impossível para tão alta gente, no século XXI, erguer uma estátua ao seu fundador sem recurso ao erário público.
O FC Porto, por exemplo, manifestou-se em comunicado contra esta sinergia Câmara Municipal de Lisboa - Sport Lisboa e Benfica que considerou «um luxo» e, utilizando uma linguagem muito articulada com os tempos de penúria em que o país vive, defendeu o rigor nas «contas públicas».
Estou cem por cento de acordo com o comunicado do FC Porto.
Tal como esta ideia da estátua ao fundador do Benfica nasceu de uma petição pública enquadrada em termos legais, é agora de esperar que o FC Porto das causas justas lance imediatamente uma petição pública, não para a edificação de uma estátua ao fundador do clube - visto que António Nicolau de Almeida foi destituído dessa honra -, mas no sentido da devolução à Câmara Municipal de Gaia e aos seus munícipes do centro de treinos do Olival.
A bem do erário público, naturalmente.
É que o Diário de Notícias ainda há pouco tempo noticiava que pagando o FC Porto à depauperada edilidade gaiense uma renda simbólica de 500 euros mensais, o referido centro de treinos do Olival só estará pago no longínquo ano de 2666. Nenhum de nós estará cá para ver.
Se ninguém fizer nada para obstar a esta situação, daqui a 653 anos, quando a Câmara Municipal de Gaia recuperar o seu investimento, acredito que a estátua a Cosme Damião ainda estará de pé porque sete séculos não serão suficientes para fazer aparecer um arqueólogo que se atreva a mudar a história do clube.
Gosto de Cosme Damião, naturalmente, porque sou do Benfica. E gosto do nome do nosso fundador. Tem nome de dois santos, São Cosme e São Damião, os santos da medicina.
Votos de boa saúde, para todos!"

Leonor Pinhão, in A Bola



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