Benfica
Glória e sermão
"O Benfica foi Benfica. Jogou à Benfica e ganhou à Benfica (...) O Benfica é uma tatuagem que se colou à epiderme da nossa Pátria.
1. O regresso à glória. Em glória. Foi isso que todos nós os que estivemos no dia 2 no Estádio da Luz sentimos. Um ambiente fantástico. Um entusiasmo sem limites. Uma vontade colectiva inquebrantável. O Benfica foi Benfica. Jogou à Benfica e ganhou à Benfica. Grande parte da Nação Portuguesa viveu o entusiasmo há tanto tempo esquecido. Em Lisboa, no Porto, em Faro, nas Ilhas, em Luanda ou em S. Tomé, no Maputo e em Paris, nos cafés belgas e até em bares islandeses. Em todos os cantos do mundo onde há portugueses. Realmente, por muito que custe aos nossos adversários, o Benfica é um tatuagem que se colou à epiderme da nossa Pátria. Sejam quais forem as razões históricas. Este é o facto. E, por favor não minimizem o feito alcançado. Ou os outros que virão. Que ninguém esqueça: desprezar as vitórias dos adversários é diminuir-se e menorizar-se a si próprio. O Benfica vai à final da Liga Europa com todo o mérito. E vai para ganhar. O Benfica vencerá a Liga com todo o mérito. O Benfica ostentará a Taça no Jamor com todo o mérito. Por ser a melhor equipa. E por ter sabido construí-la. As arbitragens são pretextos de quem perde. Ou de quem não ganha. Mas, infelizmente, até nesse campeonato vencemos. É recordar a arbitragem, bem francesa, da passada quinta-feira. E sobretudo relembrar os resultados de muitos dos jogos disputados nesta e noutra épocas. Há quem seja assim. E não consiga ter a grandeza de alma para reconhecer o que é patente e inquestionável. É pena que esta negação ocorra no desporto. Mas, como qualquer patologia, sinaliza um mal cuja extensão se aprofundará na exacta proporção em que o Benfica repetir os êxitos que tem alcançado.
2. Ontem, nem nos apercebemos que se comemorou o dia mundial do futebol. Na verdade, a FIFA proclamou este dia em homenagem ao desastre aéreo que, há precisamente 64 anos, destruiu uma das melhores equipas da história do futebol e que conquistara, consecutivamente, e com goleadas impressionantes, o campeonato italiano. Falamos do Torino, uma das grandes marcas do futebol do século XX. E o que é interessante é que a equipa regressava de um jogo particular que disputara, em Lisboa, contra o Benfica, para a despedida de Francisco Ferreira. Em cada 4 de Maio, recordamos o Torino e a cada 2 de Maio os benfiquistas não esquecem a segunda Taça dos Clubes Campeões Europeus, conquistada em Amesterdão, no Estádio Olímpico, face ao Real Madrid de Di Stéfano - que, curiosamente, anunciou, na passada sexta-feira, que, aos 86 anos, voltará a casar -, Puskás, Santamaria ou Gento. E com os dois últimos golos do Benfica a serem marcados por Eusébio, após uma recuperação em que José Águas, Cavém e Coluna foram determinantes, sem esquecermos todos os outros, de José Augusto a Simões, de Mário João a Cruz, de Ângelo a Germano. E com Costa Pereira a marcar presença sistemática nas primeiras quatro finais em que participámos na Taça dos Clubes Campeões Europeus.
(...)
4. Por tudo isto, e também em razão de declarações do treinador do Futebol Clube do Porto, Vítor Pereira, recordei um dos sermões mais emblemáticos do Padre António Vieira: o Sermão de Santo António (1654). Também, nessa altura, não tínhamos dinheiro e, também nessa altura, havia uma imensa crise em Portugal. E o Padre António Vieira dizia: «Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes, ouvem e não falam». Um conselho avisado. Há mais de quatrocentos anos. E que alguns, no futebol, deveriam conhecer, interiorizar e sufragar."
Fernando Seara, in A Bola
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