Há 100 Anos: Pioneirismo Benfiquista
Benfica

Há 100 Anos: Pioneirismo Benfiquista


O QUE ERA MAIS UMA DIGRESSÃO, COMO MUITAS OUTRAS. DE CLUBES ESTRANGEIROS A PORTUGAL TRANSFORMOU-SE EM ALGO NUNCA VISTO. 


Foi há cem anos, entre 1 e 4 de Janeiro de 1916. Como era habitual desde o início dos anos 10, os clubes procuravam a época festiva entre o Natal e o Ano Novo para jogarem em Portugal com clubes de outros países muitas vezes aproveitando a passagem de emblemas de países da Europa Central por Espanha conseguindo condições para que se deslocassem a Lisboa ou ao Porto.

Junção de esforços
Era sempre um risco financeiro conseguir presenças, com entradas pagas, nos jogos de modo a obter receitas para pagar deslocações de comboio de Madrid para Lisboa e retorno bem como as estadias em hotéis durante a permanência das delegações desses clubes embora reduzidas. Havia sempre a necessidade de contar com mais de um clube, por vezes três emblemas para garantir diversidade de público, além do Benfica ser invariavelmente contactado por arrastar mais gente quer afecta às suas cores quer de outros clubes por se considerar que os seus futebolistas se transcendiam nos jogos frente a equipas de clubes vindos para lá da fronteira portuguesa. Havia ainda um jogo clássico: a formação de um misto de jogadores dos dois ou três clubes anfitriões para defrontarem o clube ou clubes estrangeiros, num jogo também sempre aguardado com expectativa por geralmente ser quase uma selecção portuguesa quando ela ainda não existia (a primeira foi organizada em 18 de Dezembro de 1921). 


Da esquerda para a direita: Stock, Cândido de Oliveira, Herculano Santos, Artur Augusto, Carlos Homem de Figueiredo, Cosme Damião (capitão-geral), Francisco Pereira, Henrique Costa, Carlos Sobral, Leopoldo Mocho, Alberto Rio e talvez o árbitro. No SLB-FCP foi o espanhol Montero. No SLB-RCM foi o suíço R. Stadler e no SLB-MSL foi Coquet do FC Porto


O que se passou no início de 1916
Foi algo inusitado. Só existiam quatro clubes em Lisboa com capacidade – futebolística, adeptos e instalações – para entrarem nestas organizações: Internacional (CIF), com campo nas Laranjeiras; SL Benfica, com campo em Sete Rios; Sporting CP, com campo no Sítio das Mouras/Lumiar; e CS Império, com campo em Palhavã. Como a ideia dos jogos internacionais partiu dos dirigentes do Benfica, convidar o Sporting CP estava fora de questão depois do que ocorrera no Verão de 1914 quando se reforçou, à revelia da boa educação, com três dos melhores futebolistas do “Glorioso” o guarda-redes Paiva Simões, Boaventura Silva e o melhor futebolista português de sempre, à época: Artur José Pereira. O irmão Francisco Pereira também saiu mas depois arrependeu-se. Com tudo isto o Sporting CP conseguira, finalmente, depois de 1906, sagrar-se pela primeira vez campeão regional em 1913/14,quase uma década após ser fundado.

O impensável
Os dirigentes do “Glorioso” contactaram os clubes “disponíveis” (Internacional/CIF e CS Império) para permitir o sucesso da deslocação, pela primeira vez a Portugal de um clube suíço, o Montriond Sports Lausanne. Mas, inacreditavelmente, tiveram uma recusa. Uma recusa a um clube que se mostrara sempre disponível para jogar – participando integralmente ou cedendo futebolistas para mistos - quando esses clubes necessitavam do Benfica (e dos seus jogadores) para compor cartazes, atrair público e garantir viabilidade económica dessas iniciativas.





O guarda-redes do Montriond sofre um golo. Ao fundo a "casa branca" que ainda existe na actualidade! Como pode ser comparado entre um mapa google actual (em baixo) e um mapa de 1911 (em cima)


Sete Rios
Podia não ser um campo com as melhores condições, em piso e acomodação de espectadores, mas depois da construção e inauguração das bancadas em Abril de 1915 ficou aceitável para receber grandes jogos.

À Benfica: Antes quebrar que torcer
Como Órgãos Sociais repletos de Benfiquismo (do mais e melhor que podia haver no início da segunda metade dos anos dez) não recuaram. Arranjaram uma solução que se revelou inovadora. Pela primeira vez jogariam, em território nacional, entre eles, dois clubes estrangeiros e far-se-ia um torneio com dois jogos em dois dias (1 e 2) apurando-se os dois clubes que fizessem os melhores resultados para uma final (dia 4). Ou seja, a efeméride centenária que este blogue evoca hoje.

Órgãos Sociais de Benfiquismo irrepreensível
Foi um conjunto notável de “Glorioso” que não merecem ser esquecidos pelo que fizeram no Clube e pelo Benfica deixando-o progressivamente maior para muitos mais tarde beneficiarem dessa grandeza que foi conseguida “degrau-a-degrau”.

Um grupo notável de dirigentes em que três seriam galardoados com a "Águia de Ouro" e outros tiveram a infelicidade de falecer muito jovens, como o dr. Alberto Lima, presidente da Direcção em mandatos anteriores. Alfredo Ávila de Melo seria presidente dos três Órgãos Sociais (Conselho Fiscal, Direcção e Assembleia Geral), embora falecesse no desempenho da presidência da Mesa da Assembleia Geral, em 2 de Janeiro de 1946). Esta Direcção merece destaque fotográfico:

Resoluções rápidas, eficazes e felizes
Com coragem tomou-se a ideia de fazer um inédito torneio com quatro clubes de quatro cidades diferentes, duas portuguesas e duas estrangeiras. Aproveitava-se o Montriond SL, tentava-se trazer um clube de Madrid e ajustava-se com o PFC Porto uma prometida vinda a Lisboa (em 1916) para compensar a ida do Benfica ao campo da Constituição em 1915. O FC Porto aceitou pois estava “em dívida” e tinha disponibilidade física para se deslocar a Lisboa, entre dia 1 (feriado; sábado), 2 (domingo) e 4 (terça-feira). O vice-presidente da Direcção (desde a junção em 3 de Setembro de 1908) o responsável pelo Futebol (a par de Cosme Damião se este não fosse vice-presidente que era geralmente o que acontecia), em 1915/16 foi Eduardo Conceição Silva, encarregou um Benfiquista de excelsa qualidade Francisco Calejo para se deslocar a Madrid (onde o Benfica tinha muito afecto pelo modo como sabia ser hospede quando lá jogava). Não se conseguiu o Madrid CF (actual Real) mas veio outro clube com cartel, o Racing Club. Com um clube do Porto (intitulado campeão do Norte), o clube suíço famoso no atletismo da Europa Central e um dos melhores emblemas de Madrid, o Benfica tinha transformado uma impossibilidade em algo inédito desde que se jogava futebol em Portugal: juntar quatro clubes para um torneio - dois dos maiores clubes portugueses (com mais títulos de campeões regionais nas respectivas associações: Lisboa e Porto), um clube de Madrid e outro de Lausana. Sem iluminação artificial, de Inverno (dias curtos, noites longas) foi necessário fazer o primeiro jogo logo pouco depois da hora-de-almoço (13:30) para o segundo encontro terminar ainda com alguma visibilidade, pelas 17:15, iniciando-se às 15:30!| Logística nos anos 10, em 1916!




NOTA: Deixo para depois destes textos escritos – para não criar “ruído” e como anexo” no final - uma série de recortes de jornal acerca do torneio e dos jogos.

Primeiro de Janeiro
O campo de Sete Rios registou uma enchente. Os jogos foram entre o SL Benfica e o FC Porto, às 13:30, com vitória do “Glorioso” por 9-0 (com 6-0 ao intervalo) e no inédito jogo entre dois clubes estrangeiros disputado em Portugal, os suíços derrotaram, por 3-1, o Racing de Madrid, com início às 15:30. Tudo se encaminhava para uma final entre o SLB e um clube suíço, clube de um país que o “Glorioso” jamais havia defrontado. Até aí os países com adversários não passavam de Espanha (9 clubes), França (4 clubes), Inglaterra (2 clubes) e Escócia (um clube).


Onze do FC Porto em 1915/16. Campeão do Porto (e do Norte) copiosamente derrotado
Nos anos 10 havia grande diferença no futebol entre Lisboa e o Porto
Daí o Benfica geralmente aplicar com frequência goleadas ao FC Porto até finais da década de 10. FC Porto que era o melhor clube do Porto e do Norte (conquistou definitivamente a Taça José Monteiro da Costa em 1915/16) e dominava o futebol portuense além de vencer com facilidade os melhores clubes das outras duas localidades onde se jogava com regularidade e seriedade futebol a norte do rio Mondego: Coimbra e Aveiro. Braga só começa a ser tida em conta em finais dos anos 10. Guimarães mais tarde. E Viana do Castelo ainda mais…

A organização do futebol portuense era incipiente quando comparada com Lisboa
Até aos anos 40, na Grande Lisboa havia mais jogos, muito mais futebolistas, mais rivalidade, muito mais clubes, mais espectadores e assiduidade aos jogos que no Grande Porto. Muito mais interesse da Imprensa local. O Futebol era genericamente muito mais forte em Lisboa que no Porto. Basta comparar os históricos jogos entre as selecções das duas associações regionais para perceber essa evidência.



Histórico entre dois jogos por época que atraíam multidões e excediam as expectativas



Segundo dia
Por incrível que parecesse, ainda houve mais público. Os vencidos defrontaram os vencedores. Pelas 13:30, o FC Porto (FCP) foi derrotado, por 0-6, pelo Montriond SL. Às 15:30, o SL Benfica derrotou por 5-0 o Racing Club (RCM), com os cinco golos marcados em exclusivo na segunda parte. O Benfica apurava-se para a final com duas vitórias, sem golos sofridos (14-0) e os suíços também com duas vitórias e 9/1 em golos.


Racing Club: um dos melhores clubes de Madrid, juntamente com o (Real) Madrid FC, Athletic Club (filial do AC Bilbau em Madrid) e Sociedade de Ginástica

Dia 4 de Janeiro de 1916 (há 100 anos)
Apesar de ser dia de semana (terça-feira), pelas 15:30 horas, o campo de Sete Rios estava repleto para ver um inédito Portugal (SLB) – Suíça (MSL). O Benfica aplicou-se como era habitual, ainda “mais do que habitual” frente a grupos estrangeiros fortes. Herculano Santos fez o primeiro golo a uma recarga depois de Carlos Sobral ter tentado o golo. Chegou o intervalo. Os suíços empataram a um golo. Mas o “endiabrado” Alberto Rio aproveitou o espaço e numa corrida irrepreensível colocou o marcador em 2-1. O Benfica redobrou o empenho para impedir novo empate, com Artur Augusto a estabelecer o resultado final: 3-1. Estava ganho o torneio “Quatro Cidades” e mantinha-se o prestígio de um clube que se distinguia, com denodo, dos restantes.


Um dos melhores clubes da "Suíça" francesa, o Montriond Sport de Lausana

Os três onzes do “Glorioso” (sem alterações)
Alinhando sempre com o mesmo onze, Cosme Damião capitão-geral soube (como era seu hábito) conduzir a equipa a três vitórias. Conhecia bem o FC Porto. Ficou a conhecer os dois clubes estrangeiros. Não deve ter sido um acaso esse jogo no primeiro dia. Cosme Damião do Benfica só queria duas “coisas”: prestigiá-lo socialmente e vencer desportivamente.

Data
01.Jan
02.Jan
04.Jan
Campo
Sete Rios
Adversário
FCP
RCM
MSL
Resultado

FINAL
V 9-0
V 5-0
V 3-1
Intervalo
6-0
0-0
1-0
Guarda redes
Alfredo Stock



Defesa direito
Henrique Costa



Defesa esquerdo
Leopoldo Mocho



Médio direito
C.H. Figueiredo



Médio centro
Cosme Damião



Médio esquerdo
Cândido Oliveira



Av. ponta direita
Herculano Santos
8.º
4.º
1-0
Av. meia direita
Artur Augusto
3.º, 6.º
1.º
3-1
Avançado centro
Francisco Pereira
7.º, 9.º


Av. meia esquerda
Carlos Sobral
1.º, 2.º, 5.º


Av. ponta esquerda
Alberto Rio*
4.º
3.º, 5.º
2-1
Autogolos
-
2.º

NOTA: *Alberto Rio por não estar habituado a começar a jogar tão cedo (a 1.ª categoria jogava habitualmente pelas 14:30/15;00 horas) atrasou-se e quando entrou para o terreno de jogo o encontro entre o SLB e o FCP já decorria com alguns minutos jogados!



Assim se fez Glorioso um clube que nasceu do tamanho de todos os outros!

Alberto Miguéns

NOTAS DE IMPRENSA (jornal A CAPITAL)















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ESTATÍSTICAS              O guarda-redes suíço do Montriond sofre o golo de Alberto Rio,    em 6 de Janeiro de 1916 (E 1-1). Foi o 4.º em Lisboa, da história, com clubes suíços....



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