Benfica
Nada mais sem ser Eusébio: «Eu era o Pelé!»
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Sempre gostaram de comprar Eusébio a Pelé. Todos menos Eusébio. A auto estima não o deixava. Com razão. À sua maneira ele era único! Mais único que nem um outro.
Peço desculpa se vos maço, se nos aborreço. Mas Eusébio é Eusébio e eu vou voltar a falar de Eusébio.
Eusébio nunca gostou que o comparassem com Pelé.
Dizia:
- Mas porquê?, perguntava.
- Por que insistem em querer comparar-nos? Eusébio é Eusébio; Pelé é Pelé. Somos duas pessoas distintas. Por que hei-de ser eu o Pelé da Europa e não há-de ser ele o Eusébio das Américas?
E ia por aí fora, como se tivesse a bola colada aos pés e adversários para ir tirando da frente da baliza:
- Não é que eu fique inferiorizado pelo facto de me comparem com o Pelé. Claro que não! Ele é «O Rei», «O Maior», o mais categorizado jogador de todo o mundo. Para ser como Pelé, ainda tenho de aprender muito, muitíssimo. E talvez nem chegue nunca a ser como ele. Mas eu tenho um nome! Eu sou Eusébio! Não me chamo Pelé, nem quero que me chamem de Pelé. Bem sei que a comparação só me deve orgulhar, sinto-me honrado, mas prefiro que me tratem pelo nome e não passem a vida a chamar-me Pelé da Europa como ainda agora fizeram os jornais brasileiros e venezuelanos. Bem sei que querem dizer com isso que sou o melhor jogador da Europa mas, sinceramente, não me considero o melhor jogador da Europa nem sequer o melhor jogador do Benfica. O melhor de todos é o Coluna.
- Atrás do tempo, tempo vem...
- No dia 29 de Junho de 1958, o Brasil venceu a Suécia, no Estádio Raasunda, em Estocolmo por 5-2. Pela primeira vez uma selecção vencia um Campeonato do Mundo num continente que não o seu; pela primeira vez uma selecção vencia uma final de um Campeonato do Mundo de goleada. Pelé tinha somente dezassete anos. «Pelé é um menor total, irremediável», gritava Nelson Rodrigues nas páginas da 'Manchete Desportiva'. «Não pode nem assistir a um filme da Brigitte Bardot. Ao receber o ordenado, o bicho, é o pai que tem de representá-lo. Pois bem: - Pelé assombrou o mundo! Não se limitou a fazer os gols. Tratava de enfeitá-los, de lustrá-los. (...) Ninguém é melhor do que ele. Tivesse jogado contra Inglaterra e creiam: - havia de driblar até a rainha Vitória».
- Eusébio é apenas um pouco mais novo do que Pelé. Pelé nasceu no dia 23 de Outubro de 1940, em Três Corações. Nasceu Edson Arantes do Nascimento e só mais tarde foi Pelé. Chegou ao mundo antes de Eusébio e chegou ao Futebol também antes de Eusébio. Eusébio foi sempre Eusébio. Mas precisou de esperar para ser o Eusébio do povo, o esplendor de Portugal. Em Portugal a burocracia não se compadece nem com Eusébios.
- Afirma Eusébio: «Não se falava noutra coisa. Brasil, campeão do Mundo, o Futebol fantástico, os dribles, os golos. Além disso, tinham sido equipas brasileiras a deixar mais cartel em Lourenço Marques, nas poucas vezes que éramos visitados por clubes estrangeiros. Por isso baptizámos o nosso clube de FC Os Brasileiros. E cada um de nós tinha o seu nome de guerra correspondendo aos grandes craques. Um era o Didi, outro o Garrincha, outro o Zagalo, e por aí fora. E eu? Tenho de contar tudo, não é? Então não faz mal dizer que eu era o Pelé...».
- Eusébio, Pelé; Pelé, Eusébio: os dois nomes parecem ligados por um hífen. Às vezes, Eusébio levava a mal a comparação, irritava-se, desabafa: «Chamam-me o Pelé da Europa? Porquê? Por que não chamam ao Pelé o Eusébio da América do Sul?» Mas uma saudável amizade os uniu desde que se encontraram pela primeira vez, em Paris, no Parque dos Príncipes, num extraordinário Benfica-Santos que marcou a estreia internacional do menino de Mafalala.
Benfica-Santos! O Parque dos Príncipes entra em delírio. De dentes cerrados, absorto na bola, no jogo, nos movimentos próprios e alheios, Eusébio é maior do que Pelé, rouba-lhe o protagonismo, força-o a um papel secundário, subalterno. Milhares de pessoas, encantadas, enfeitiçadas, gritam o seu nome. Ele não as ouve. A sua obra está ainda incompleta. O seu esforço é monstruoso: por si só, reconstrói um conjunto em seu redor, carrega-o consigo no trilho de uma recuperação espectacular. A luta pode ser desigual, mas ele ignora-o. É um vendaval de músculos, tendões, ossos e cartilagens que desaba sobre um opositor entontecido. O seu entusiasmo desperta a rebeldia dos companheiros. O Benfica domina, agora, os acontecimentos. Eusébio marca mais um golo, faltam dez minutos para o final do jogo, há quem acredite ainda no impossível. Dez minutos não chegam. Pelé é Pelé e teima em recordá-lo àqueles que, por momentos, o esqueceram: faz o 6-3 final.
- Dia 15 de Junho de 1961: o Benfica-Santos ficará riscado a giz na lousa dos acontecimentos inesquecíveis.
- «Eu respeitava-os, mas não lhes tinha medo», disse Eusébio, mais tarde. «Eram bons, eram fantásticos, mas também era homens como nós. Além disso, entrei com a equipa a perder por 0-4. Deu-me uma certa tranquilidade: vendo bem, não poderia fazer muito pior nem estragar o conjunto. E estava alegre por ir defrontar o Pelé, o mestre do Futebol. Contaram-me que o público gritava o meu nome. Não dei por nada. Estava entretido com a bola. Acho que Paris me deu sorte».
- Sorte? Para Eusébio não existia. Era Eusébio e mais nada.
- Nada mais sem ser Eusébio..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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