O Benfiquismo e D. Carolina Beatriz Ângelo
Benfica

O Benfiquismo e D. Carolina Beatriz Ângelo


HISTÓRIA/ COMEMORAÇÃO

O Benfica, Carolina Beatriz Ângelo e o Dia Internacional da Mulher
Evocar Carolina Beatriz Ângelo nas comemorações do Dia Internacional da Mulher é recordar os primórdios da emancipação feminina em Portugal, bem como a luta pelo direito ao voto, condição social da mulher e igualdade de direitos entre géneros, para além de viajar aos fundamentos do Benfiquismo. Esta esposa de Januário Barreto, primeiro presidente da Direcção do Clube - segundo sucedendo à escolha do presidente da Comissão Administrativa José Rosa Rodrigues, em 28 de Fevereiro de 1904 - foi a primeira mulher a votar em Portugal (1911) e a única durante... mais de 20 anos, até 1931 quando a Lei Eleitoral permitiu o voto das mulheres, ainda que com muitas limitações, entre elas a impossibilidade de votar por... quase não haver eleições! E muito menos eleições livres! Até 1975!


Nascer na Guarda e ser médica em Lisboa
Foi em 6 de Abril de 1878, há quase 136 anos que na cidade da Guarda nasceu uma menina que ficaria famosa em 1911. Depois de frequentar o Liceu da Guarda viajou para Lisboa aos 17 anos, matriculando-se na Escola Politécnica. Após dois anos, prosseguiu os estudos superiores na Escola Médica onde em cinco anos se formou médica - 9 de Janeiro de 1902 - especializando-se em ginecologia. Ainda nesse ano de 1902 contraiu matrimónio com um colega de curso, o casapiano Januário Barreto, seu primo, médico e activista republicano. No ano seguinte, tendo Beatriz Ângelo 25 anos, nasce a filha Maria Emília Ângelo Barreto.

D. Carolina Beatriz Ângelo e Januário Barreto (segundo a contar da direita) lado-a-lado, entre os finalistas do Curso de Medicina em 1902

Da Covilhã para a Casa Pia. Da Casa Pia para o "Glorioso"
Januário Gonçalves Barreto Duarte nasceu na Aldeia do Souto, no concelho da Covilhã, em 1 de Abril de 1877. 


Órfão aos oito anos, ingressou na Real Casa Pia de Lisboa, menos de um ano depois, em 30 de Junho de 1886. Cedo revelou dotes intelectuais e desportivos que lhe permitiram uma bolsa para estudar na Escola Médica de Lisboa e fez parte da célebre equipa de futebol da Casa Pia que derrotou, em 1898, os ingleses do Cabo Submarino de Carcavelos. 


A equipa da Real Casa Pia de Lisboa em 1895. Da esquerda para a direita. Em cima (avançados): Emílio  de Carvalho (2.º) meia-ponta-direita, Silvestre Silva (3.º), avançado-centro, António Couto (4.º), meia-ponta-esquerda. Ao centro, sentados em cadeiras, (defesa-direito, guarda-redes e defesa-esquerdo): Pedro Guedes (2.º), guarda-redes, capitão (por isso é o "dono da bola") e Januário Barreto (3.º). Em baixo (médios): Daniel Queirós dos Santos (2.º), médio-centro. Estes casapianos jogaram no "Glorioso". Apenas cinco não jogaram no Clube: João Pedro (ponta-direito), Raul Carapinha (ponta-esquerdo), João Lourenço (defesa-direito), João Cambraia (médio-direito) e Bruno do Carmo (médio-esquerdo)

Primeiro presidente da Direcção do Clube
Em 22 de Novembro de 1906, aos 29 anos, foi eleito na assembleia geral do Clube presidente da Direcção no sentido de dar prestígio a uma colectividade que brilhava no campo desportivo. Em 10 de Fevereiro de 1907, o Clube conseguiu derrotar, por 2-1, o Carcavellos Club, que estava invencível desde essa memorável tarde de 22 de Janeiro de 1898, fazendo ele parte desse célebre onze casapiano. Em 10 de Fevereiro de 1907 a equipa do nosso querido Benfica alinhou com (a vermelho-Benfica os casapianos que estiveram, também na vitória, da Real Casa Pia em 1898):  
Guarda-redes: Manuel Mora;
Defesas, à direita e esquerda: Henrique Costa e Emílio de Carvalho;
Médios, à direita, centro e à esquerda: Fortunato Levy (cap.), António Couto e Albano dos Santos;
Avançados, da direita para a esquerda: Marcial Costa, António Rosa Rodrigues, Daniel Queirós dos Santos, Cândido Rosa Rodrigues e David da Fonseca.

A equipa da Real Casa Pia de Lisboa em 1897. Da esquerda para a direita. Em cima: António Couto (2.º), Emílio  de Carvalho (3.º), Silvestre Silva (5.º), Januário Barreto (6.º), José Neto (7.º) e Francisco Santos (8.º); Em baixo, no centro: Pedro Guedes, capitão (por isso é o "dono da bola"). Estes casapianos jogaram no "Glorioso"

Casal com consciência cívica e ética profissional
Beatriz Ângelo e Januário Barreto formaram um casal de médicos que desenvolvia também intensa actividade política sendo fervorosos republicanos. Enquanto ele era um dedicado propagandista anti-monárquico, a esposa foi a primeira mulher a operar em Portugal. Com consultório na rua Nova do Almada este espaço foi local de assembleias gerais do Clube. Discípula do médico republicano Miguel Bombarda foi uma das mulheres que confeccionou a bandeira verde e vermelha da República, fazendo parte de várias organizações de cariz republicano e feminista.


O ano de 1910
A poucos meses da implantação da República (5 de Outubro de 1910) Lisboa foi sobressaltada com o falecimento do ilustre médico dr. Januário Barreto, em 23 de Junho de 1910, aos 33 anos, vítima da generosidade com que tratava os seus doentes sem medo das terríveis doenças contagiosas que lhe seriam fatais. Deixou viúva Beatriz Ângelo, com 32 anos, e órfã a sua filha com sete tenros anos.


Luta pelo direito ao voto
Com a preparação das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte os acontecimentos vão precipitar-se percebendo-se nesta vertigem de poucos meses a tenacidade de Beatriz Ângelo. Em 14 de Março de 1911, foi aprovada a Lei Eleitoral que no seu articulado estabelecia que tinham direito de voto os «cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família». Beatriz Ângelo achou-se com direito a votar, pois sendo médica «sabia ler, escrever e tendo enviuvado era chefe de família, vivendo nessa qualidade com uma filha menor, a cujo sustento e educação provê com o seu trabalho profissional». Em 1 de Abril, solicitou à Comissão de Recenseamento do Segundo Bairro a sua inclusão nos Cadernos Eleitorais. A decisão foi remetida para o Ministro do Interior, António José de Almeida que recusou, apesar de no tempo da Monarquia ser defensor do direito da mulher a votar. 

5- Ana de Castro Osório, 8-Angelina Vidal, 14- Adelaide Cabette, 15-Carolina Beatriz Ângelo, 16- Maria do Carmo (Reprodução do catálogo da Exposição Carolina Beatriz Ângelo Cortesia do Museu da Guarda)
Queria votar e votou!
Interpôs recurso no Tribunal da Boa Hora, na 1.ª Vara Civil de Lisboa encetando uma luta com intervenções públicas e entrevistas em que exigia poder ter direito a votar. Em 28 de Abril de 1911, o juiz João Baptista de Castro, proferiu a histórica sentença que ficou como um marco na emancipação feminina em Portugal: «Excluir a mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo partido republicano. (…) Onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir (…) logo mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral». Recenseada com o n.º 2 513, votou nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, em 28 de Maio de 1911. 


E votou "bem"!
Não foi só a primeira mulher a fazê-lo em Portugal, era a primeira mulher a fazê-lo em qualquer outro país do sul da Europa. Foi na Assembleia Eleitoral de Arroios, instalada no Clube Estefânia – e nem sequer guardou segredo que o seu voto foi para Afonso Costa, Bernardino Machado e Magalhães Lima, candidatos do Partido Republicano Português pelo Círculo Oriental de Lisboa. No dia seguinte, imagens e cartas da própria, acerca deste feito, foram publicadas em vários jornais, contribuindo para reforçar a luta das sufragistas. Como consequência, a lei foi alterada, impedindo as mulheres de votar.


Menos de seis meses depois...
Em 3 de Outubro de 1911, a dois dias do 1.º aniversário da República e pouco mais de um ano depois de ter enviuvado, faleceu de miocardite (inflamação do miocárdio, a camada muscular grossa da parede do coração) aos 33 anos, deixando órfã de pai e mãe a filha com oito anos. A idade em que o pai Januário Barreto ficara órfão, na Aldeia do Souto, em 1885. 


Dias antes de falecer, escrevera a última carta à sua amiga, confidente e companheira de tantas lutas e canseiras, Ana de Castro Osório, filha do juiz João Baptista de Castro: «Não imagina como me tenho sentido infeliz por não poder fazer nada em favor de duas pobres raparigas tuberculosas que tiveram a triste ideia de me consultar, por ainda não se ter construído o sanatório para mulheres que tanto queremos. Creio que isso contribui muito para a minha doença. Uma delas é tão inteligente, tão feminista, tem umas ideias tão parecidas com as minhas que me deixa sempre com vontade de morrer, de deixar esta vida de amarguras e desenganos em que só os bons sofrem porque os maus não têm alma para sentir os infortúnios alheios». A sua filha Emília viria a falecer em 1981, aos 78 anos, depois de uma vida como professora em liceus femininos: Portalegre, Coimbra e Lisboa (Maria Amália Vaz de Carvalho).



Beatriz Ângelo e Januário Barreto tiveram uma vida breve. Uma vida de Benfiquismo. Nos primórdios do "Glorioso". Uma vida intensa com reflexos nas vidas de cada um e de todos. Foram gigantes vencendo atavios e mudando hábitos e arcaísmos, para beneficiar as gerações futuras. Às suas vidas e às nossas.

Estas notas - referentes a Carolina Beatriz Ângelo - foram feitas após leitura desta pequena, mas excelente e fundamental biografia.


Alberto Miguéns



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