O Fim de Uma Era (Parte II)
Benfica

O Fim de Uma Era (Parte II)


HÁ 98 ANOS ESTAVA-SE EM TEMPOS DE MUDANÇA.



Os “velhos” clubes que tinham feito a implantação do futebol em Lisboa estavam a terminar. O SC Império (sócio fundador n.º 1 da AFL) e o Lisboa FC (sócio n.º 7 da AFL) tiveram que se fundir em Império LC, mais tarde GD Palhavã. E mesmo assim tinha/teve os dias contados. O Internacional (CIF, sócio n.º 4 da AFL) que vinha do século XIX como evolução do Club Lisbonense estava em agonia. O Lisbon CC (ingleses da Cruz Quebrada), Foot-Ball Cruz Negra e Grupo (depois SC) Campo de Ourique (sócio fundador n.º 2 da AFL) já haviam sucumbido. Os invencíveis mestres do Cabo Submarino do Carcavellos Club voltaram a jogar entre eles na Quinta Nova, em Carcavelos, deixando as competições. O Sport União Belenense (sócio n.º 6 da AFL), o Ajudense FC e o Gilman SC Sacavém não passaram de tentativas, por isso condenadas ao efémero. O GS Cruz Quebrada (sócio n.º 14 da AFL) "tinha dias"! Restavam o Sport Lisboa de 1904 (e para sobreviver teve que se juntar ao Sport Benfica, em 1908), sócio fundador n.º 3 da AFL, em 23 de Setembro de 1910 e o Sporting CP de 1906 (sócio n.º 5 da AFL) que teve sempre condições “infraestruturais” muito superiores a qualquer outro clube em Lisboa. Outros emblemas surgiam. Muitos. O futebol lisbonense "fervilhava" mas também esmorecia rapidamente! Alguns ainda existem. Outros existem - e fazem existir os antigos pela memória - como sequência de fusões, entre clubes rivais de áreas contíguas/bairros na cidade. Por exemplo: Atlético CP (Carcavelinhos FC e União FL) e COL/ Oriental (Chelas FC, Marvilense FC e GD “Os Fósforos”). A transição entre o passado de amadorismo sustentado em oferecer organização clubística para quem quisesse jogar e o futuro a pagar para ter os melhores futebolistas estava a acontecer. 

Um campeonato Regional que fez a diferença
Em semana que antecede o jogo com o CF “Os Belenenses” este, em 1917/18, foi o último campeonato de Lisboa conquistado pelo “Glorioso” antes da fundação do Clube de Futebol “Os Belenenses” (23 de Setembro de 1919).

NOTA: Texto longo acerca da História do Clube (e ainda que “de raspão” do CF “Os Belenenses”). Quem não gosta é melhor nem perder tempo a começar a ler. Espere por amanhã. Ou ir a outros blogues Benfiquistas onde se “fala” mais do Sporting CP que do Benfica!

Há um futebol antes de 1920 e outro depois
Em termos de hegemonia o “Glorioso” era a referência do futebol português até ao início da década de 20, conquistando sempre mais do dobro dos restantes clubes em todas as quatro categorias (ver ontem - clicar). Esta hegemonia baseava-se em várias premissas, pois como tudo na vida, não há acasos, nem coincidências. Situações pontuais podem ocorrer, mas com consistência têm de existir justificações. Entre várias estas são as mais evidentes (reduzidas a uma dezena para simplificar):
1. Base em Belém onde os miúdos viam há anos – desde a proibição de jogos no Campo Pequeno - jogos de futebol nas Terras do Desembargador;
2. Recrutamento com preferência em Belém e casapianos (núcleos homogéneos e solidários) apenas de portugueses;
3. Orientação inicial de Manuel Gourlade que era muito exigente e metódico;
4. Espírito de agregação e inclusão (todos são bem-vindos se vieram por bem e para o bem comum);
5. Liderança carismática (e prolongada) de Cosme Damião;
6. Além de liderar Cosme Damião também jogava. E a médio-centro, a pedra angular, na táctica 2.3.5. Era um exemplo para todos: dos jogadores aos dirigentes;
7. Criação do Conselho Técnico (com os outros três capitães da 2.ª, 3.ª e 4.ª categoria);
8. Procura de jogos internacionais para os futebolistas perceberem que só havia um Futebol (17 Leis) mas várias cambiantes no modo de o jogar;
9. Digressões frequentes a Espanha para potenciar o ponto anterior;
10. “Método Cosme”: os futebolistas iniciavam-se na categoria mais baixa, mostrando aptidões futebolísticas e de Benfiquismo – dedicação, pontualidade, obediência e sentido de equipa, por exemplo) para progredir - conquistando títulos e responsabilizando-se por querer ao atingir a 1.ª categoria honrar o seu passado conquistador nas categorias inferiores e não envergonhar os ases que iam substituir. Com a veterania ou menos tempo para dedicar ao futebol Cosme Damião estimulava os futebolistas a continuarem a jogar nas categorias inferiores para incutirem os valores que tinham aprendido aos que se iniciavam, num ciclo (e dinâmica) imparável.

És o nosso Pai Benfiquista. Único e Glorioso! Acima de todos, apenas, abaixo do Benfica!



A fundação do CF “Os Belenenses” (23 de Setembro de 1919) afectou pouco o Benfica
O clube mais “afectado” até foi o Sporting CP pois como campeão regional em título (1918/19) viu sair vários futebolistas originários de Belém ou com ligações ao bairro, então popular (estamos em finais dos anos 10 e não na actualidade). O SCP perdeu o excelente guarda-redes Mário Duarte, o melhor futebolista português de sempre (até meados dos anos 20) o médio-centro Artur José Pereira e o extremo-esquerdo goleador, rápido e imprevisível, Alberto Rio. Do Benfica saiu um titular, o capitão Carlos Sobral e Manuel Veloso (embora a jogar na 2.ª categoria). Sairam ainda jogadores das categorias inferiores, mas do Sporting CP… também. Tal como de outros clubes da cidade. O objectivo de Artur José Pereira e Henrique Costa, principais mentores, era juntar os belenenses espalhados pelos clubes de Lisboa e ir aproveitando os jovens do bairro, fazendo do CF “Os Belenenses” o seu clube. Só que se é verdade que Belém tinha fama de “produzir” bons futebolistas, isso já era um mito. Foi verdade nas duas décadas iniciais do século XX (clicar para perceber o porquê) mas o tempo provou que o clube para conquistar títulos – o primeiro em 1925/26, após seis épocas a "ver navios" a bailar no rio Tejo - teve de recorrer a futebolistas para lá, muito para lá, dos limites do bairro de Belém. O Benfica com a fundação do adversário de sexta-feira perdeu associados nessa área e a ligação umbilical que tinha desde 1904. O tempo se encarregaria de repor a História. Na actualidade o clube preferido dos belenenses (habitantes do bairro) é o “Glorioso”. O CF “Os Belenenses” é mais do Restelo (e mesmo assim ignorado) do que de Belém. Um clube sem futuro (a não ser para os "pato bravos" conseguirem trafulhice com os quatro hectares de terrenos urbanizáveis à volta do estádio do Restelo) face à grandeza internacional do SL Benfica e do Sporting CP.

A do Casa Pia AC (3 de Julho de 1920) afectou mais
Tanto que o Casa Pia AC na época da estreia, em 1920/21, sagrou-se de imediato campeão de Lisboa com oito ex-futebolistas do SLB. Mas foram cerca de três dezenas os atletas/associados (entre futebolistas e outras modalidades) que deixaram o Benfica para fundar um clube ligado à Casa Pia de Lisboa. Esta sim, ao contrário de Belém, continuava a “fornecer” excelentes futebolistas ao “Glorioso” que reportava a 1904, aos tempos da Associação do Bem. Mas que se mantinha. Em 1920 significou um corte profundo. Para sempre. O Benfica depois de 1926 continuou a ter futebolistas casapianos mas tinha de pagar! Em 1920 apenas três casapianos resistiram ao “canto da sereia” do Restelo (local das instalações da Casa Pia e designação do primeiro campo do Casa Pia AC): Cosme Damião (dirigente) e dois futebolistas: António Ribeiro dos Reis e Vítor Gonçalves. O capitão do “Glorioso” Cândido Oliveira que liderou a cisão, ficou com a vida marcada para sempre! Nunca mais pôs os pés no Benfica, a não ser como adversário (futebolista, treinador) ou jornalista apesar da amizade com Cosme Damião e Ribeiro dos Reis, mas também com Vítor Gonçalves.

E a teimosia de Cosme Damião muito mais
A opção por não contratar, a outros clubes, futebolistas consagrados (ou potencialmente com futuro risonho) revelava-se desadequada nos anos 20 face à evolução do futebol português de amador para semi-amador. Cosme Damião continuava a entender que não era o Benfica que devia de andar atrás de futebolistas, estes é que deviam procurar o Benfica. E depois ainda teriam de mostrar qualidade e Benfiquismo para serem de confiança. Sim! Porque no Benfica só havia um objectivo alicerçado em duas virtudes. Conquistar com lealdade e merecimento. Por isso teriam de iniciar-se nas categorias inferiores, que para Cosme Damião eram todas iguais, apenas competiam em campeonatos diferentes por contarem com futebolistas com diferentes aptidões. O inédito 5.º lugar da 1.ª categoria no campeonato regional de Lisboa (entre oito clubes) na temporada de 1925/26, foi a “gota que fez transbordar o copo”. Temia-se que o Benfica, em breve, arriscasse a descida de divisão. E acontecer-lhe o que ocorrera com o Internacional. Por teimosia dos Pinto Basto. Passar para o futebol recreativo! Nas eleições de 5 de Agosto de 1926 elegeram-no presidente para o afastar da organização do Glorioso Futebol (entregue por tradição desde 1908 ao vice-presidente, neste caso seria António Ribeiro dos Reis) mas não aceitou. E foi ele que se afastou do Benfica.

Mesmo em 1936 ainda não estava convencido!
Cosme Damião não aceitou as críticas a propósito dos gastos excessivos (por mal cálculo do custo da construção e necessidade de contrair empréstimos) no estádio das Amoreiras, mas principalmente, não aceitou ser eleito presidente da Direcção (para ser afastado da organização – capitão-geral - do futebol) que ficaria entregue ao seu vice-presidente António Ribeiro dos Reis. Foi eleito presidente da Direcção do SLB, em 5 de Agosto de 1926, mas recusou não tomando posse. Regressou em 6 de Setembro de 1931 sendo eleito para a presidência da mesa da assembleia geral. Com mandatos anuais foi reeleito em 7 de Agosto de 1932, 20 de Agosto de 1933 e 4 de Setembro de 1934 numa gerência que terminou em 15 de Outubro de 1935, recebendo por votação dos associados, por unanimidade e aclamação, a “Águia de Ouro”, galardão supremo do Clube que ele ajudara a fundar com mais 23 indomáveis em 28 de Fevereiro de 1904. Um ano depois, em 1936, ainda pensava regressar ao Benfica mas com poderes de director, e não numa mesa da assembleia geral a presidir a uma reunião anual de aprovação do relatório da Direcção cessante e eleições para os Órgãos Sociais seguintes! Não teve sucesso. E contou as mágoas ao jornalista Benfiquista, que jogou Râguebi com o “Manto Sagrado”, Alberto Freitas.


O presidente da Direcção do “Glorioso”, desde 20 de Agosto de 1933 e ainda em funções após sucessivas reeleições anuais, o inteligente dr. Vasco Ribeiro
Respondeu-lhe «À Benfica», ou seja, “à método Cosme Damião, com verdade, sem papas na língua, nem telhados de vidro, arrumando a questão sem direito a questiúnculas! Numa excelente entrevista que o “EDdB” apenas destaca o excerto que interessa para este assunto:


Tudo mudou! Menos o “Glorioso”! Que se adaptou! Mesmo que queiram alterar os valores eternos do Clube, há Benfiquistas que não se deixam formatar, por isso não vão deixar!


Alberto Miguéns

NOTA FINAL: As eleições em 1936 (que Cosme Damião "falhou") foram em 4 de Novembro! Cosme Damião assina a primeira acta da Direcção do Casa Pia AC, em 3 de Agosto de 1936, numa gerência  de excelência com António Couto (vice-presidente para as instalações) e Cândido Oliveira (vogal para o futebol), entre outros. Um "Glorioso" gloriosíssimo e outros dois "Gloriosos" que caíram em tentações, em 1907 e 1920, respectivamente, quando não podiam (nem deviam).  





loading...

- Adeus Cosme Damião! Obrigado Damião! Eterno Pai Do Benfiquismo!
"Há precisamente cem anos o nosso Cosme Damião fez o último jogo com o Manto Sagrado: 26 de Fevereiro de 1916 Decidiu despedir-se antes do final da temporada. Num jogo internacional, quando estava concluído -  e conquistado - o Campeonato Regional...

- Cosme Damião
"Principal fundador do SL Benfica Cosme Damião nasceu há 125 anos Faz esta terça-feira, dia 2 de Novembro, 125 anos que nasceu o principal fundador do Sport Lisboa e Benfica. Falamos de Cosme Damião. Cosme Damião destacou-se entre os 24 fundadores...

- Cosme DamiÃo Nasceu A 2 De Novembro De 1885
      Um dos fundadores do SL Benfica   Cosme Damião nasceu a 2 de Novembro de 1885Faz, este sábado, 128 anos do nascimento de Cosme Damião, um dos fundadores do Sport Lisboa e Benfica. Para além de fundador, Cosme Damião...

- Ao Contrário Do Que é Dito...
BREVE NOTA ACERCA DO "CLÁSSICO DAS CAMISOLAS COM BOM GOSTO". Tornou-se uma praga, que tem crescido nos últimos anos, dizer que o CF "Os Belenenses" nasceu, em 1919, contra o Benfica. Isso tem levado alguns adeptos desse clube, mais novos sem raízes...

- Quem Sai Porque Quer Não Regressa Por Querer
COMPLETAM-SE HOJE, 118 ANOS, DO NASCIMENTO DO INESQUECÍVEL CÂNDIDO DE OLIVEIRA, NA VILA ALENTEJANA DE FRONTEIRA O treinador do Benfica, Ribeiro dos Reis (à direita) entre o presidente do Benfica Joaquim Bogalho e o do FC Porto (Urgel Horta) com o...



Benfica








.