Benfica
O Madaleno vem à cidade
"O Madeleno está feliz. Volta e meia, o Madaleno está feliz porque vem à cidade. Parolo, semi-analfabeto, põe-se à estrada cantarolando musiquinhas ordinárias e recitando poemas que não sabe e nem sequer sabe que não sabe. A alegria do pacóvio estende-se à comitiva que o acompanha. Todos eles vão soltando umas porcarias avulsas à medida que a carroça tange pela velhinha Estrada Nacional 1, valentemente puxada por uma junta de vacas, uma de raça cachena e outra barrosã, animais tão servis e bem dotados de chavelhos como aqueloutros que se debruçam sobre o Madaleno, babando-lhe a fatiota grotesca, feita à medida para a cerimónia da viagem.
O Criado vem pendurado sobre uma das rodas, vomitando de quando em vez, por via do enjôo das curvas, as tripas enfarinhadas do almoço, enquanto repete para si próprio, como se rezasse o terço: «é um génio, é um génio, é um génio...» O Adiposo Sebento esforça o bestunto na invenção de mais boatos escabrosos. O Baladeiro de Tiques Afeminados, atira a melena para trás e ameaça trautear desafinadamente com a sua voz esganiçada. O Copiador de Livros Alheios grunhe o ódio que lhe atormenta mais o fígado e o baço do que as garrafas de uísque barato que costuma ingerir de golada. O Merceeiro Aldrabão vai de borco, encantado com a companhia do Madaleno que confunde erradamente com Deus, disponibilizando-se de dois em dois minutos para lhe engraxar os sapatos de pegamóide e gáspias brancas.
Parece um circo de aldeia com o palhaço na frente. O povo sai à rua para os ver passar, mas não se ri. Não suscitam alegria, provocam piedade. Vêm de véspera como os gaiteiros. Vão em charamela à bruxa da Rua da Primavera ver se todos juntos conseguem desvendar desgraças alheias. Porque, com o tempo, os homenzinhos de cócoras ficaram cada vez mais exigentes e não tarda muito já não haverá no País marafonas que chegue."
Afonso de Melo, O Benfica
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