Benfica
O Nosso Rogério Faz 90 Anos
COMEMORAÇÃO O decano do futebol Benfiquista e entre os internacionais da selecção portuguesa completa, hoje, 90 anos. Parabéns, Rogério.
Escolher ser Glorioso
Rogério Lantres de Carvalho nasceu em Lisboa, há 90 anos, em 7 de Dezembro de 1922. Iniciou-se no futebol no clube do bairro onde vivia, o Chelas FC. Após concluir o 4.º ano na Escola Industrial Afonso Domingues, em Marvila, empregou-se no “Grémio das Carnes”. Em contacto com outros empregados, também futebolistas, entre eles Peyroteo, surgiu a oportunidade de treinar no Sporting CP. Rogério ainda participou num treino no Lumiar, mas não demorou muito a deslocar-se à Secretaria do Glorioso, na rua Jardim do Regedor, “assinar a ficha” e começar a treinar no nosso Estádio do Campo Grande. Tinha 19 anos! Rejuvenescimento do plantel
No início da temporada de 1942/43, sob a presidência de Augusto da Fonseca Júnior e a responsabilidade do futebol entregue – como era tradição no clube desde 1908 – ao vice-presidente Francisco Retorta havia necessidade de melhorar o plantel de futebol do Glorioso. O avançado-centro (ou extremo-direito) Guilherme Espírito Santo continuava doente, não havendo data certa para o seu regresso. O seu substituto como avançado-centro Francisco Rodrigues, apesar de ser um futebolista de muita qualidade desejava regressar a Setúbal, depois de três temporadas no “Glorioso”. Foi decidido fazer cinco contratações que assegurassem serem reforços, essencialmente para rejuvenescer a linha avançada: Guia Costa (com 22 anos, defesa-direito de Angola), Manuel Jordão (com 21 anos, médio-direito vindo do FC Barreirense), Dário Rodrigues (com 24 anos, avançado-centro de Ponta Delgada), Carlos Brito (com 22 anos, interior-esquerdo de Lourenço Marques) e Julinho (com 22 anos, interior-direito do Académico FC, do Porto). E… um jovem com 19 anos, o Rogério, irmão do “craque” do Chelas, Armínio França.
Chegar, ver e vencer
Rogério estreou-se em 4 de Outubro de 1942, há pouco mais de 70 anos, no Estádio das Salésias, frente à equipa do clube visitado, o CF “Os Belenenses”, para a Taça “Benfica/Belenenses”, marcando um golo, no empate 2-2. Uma estreia a marcar. O sagaz e experiente treinador Janos Biri colocou-o à ponta direita, onde jogou 0s 25 jogos iniciais numa temporada em que actuou em 28 encontros. No final da época – em três jogos - adaptou-se à ponta esquerda, onde fez a maior parte da sua carreira (223 dos 418 jogos como titular). Nesta temporada inicial no Benfica, em 1942/43, alcançou desde logo a titularidade, contribuindo para o nosso primeiro duplo: Campeonato Nacional e Taça de Portugal. Depois da conquista do título de campeão nacional na última jornada em Coimbra, o “Glorioso”, com Rogério a extremo-esquerdo, regressou ao Estádio das Salésias, em 20 de Junho de 1943, para conquistar a Taça de Portugal, após a vitória, por 5-1, com o Vitória FC, de Setúbal. Rogério inaugurou o marcador e uma série notável de golos em finais que ficou, e perdura, na história do futebol português e europeu.
Indiscutível internacional por Portugal
Apesar de novo, no Clube e em idade, Rogério impôs-se desde logo. Habilidoso “como os mais habilidosos, com dois pés inteligentes que actuavam em sintonia” dispunha de excelente corrida. Conhecedor do jogo e subtil, tinha o sentido de oportunidade. Jogava de pé para pé, estonteando os adversários. Futebolista tecnicista, conseguia dominar com perfeição as mudanças de velocidade, ultrapassando os adversários para colocar a bola nos companheiros melhor posicionados ou internava-se em direcção à baliza desferindo, sem temor, o remate final. Estreou-se na selecção nacional, com 23 anos e “meio”, em 14 de Abril de 1946, no Estádio Nacional, na vitória por 2-1, no VII Portugal-França. Apesar da “pressão da imprensa” para os seleccionadores nacionais manterem na selecção o quinteto de avançados de um outro clube, Rogério era imprescindível porque era melhor que qualquer um dos outros quatro, excepto a avançado-centro. Entre a estreia (50.º jogo) e a despedida na selecção portuguesa (76.º jogo, em 22 de Novembro de 1953) obteve 15 internacionalizações, marcando dois golos (a Selecção marcou 26). Esteve em 15 dos 27 encontros de Portugal, “falhando” 12 por estar ausente no Brasil ou lesionado aquando da realização dos encontros. |
Rogério marcou, aos 5 minutos, o primeiro golo do SLB na vitória por 2-1 com o clube londrino Charlton AFC, no Estádio Nacional, em 18 de Setembro de 1946 |
Vou ali ao Brasil, mas volto já…
Em meados da temporada de 1946/47 foi contactado por um responsável do clube brasileiro Botafogo FR, do Rio de Janeiro, que procurava em Portugal um futebolista que fosse reforço para a equipa do prestigiado futebol carioca, quando já se estava em “contagem decrescente” para a organização, no Brasil e final no Rio de Janeiro (Maracanã), da fase final do Campeonato do Mundo de 1950. Entre todos, os que foram observados nos principais campos de futebol portugueses, a escolha recaíu em Rogério por ser o “mais brasileiro dos futebolistas portugueses”, o que ilustra na perfeição a sua classe indiscutível. Já não terminou a temporada de 1946/47 (último jogo em 18 de Maio de 1947) mas… nove meses depois estava de regresso fazendo o primeiro jogo em 28 de Março de 1948. O Benfica era mística…
Campeão Latino
Jogava bem em qualquer das posições (interior ou ponta), à esquerda ou à direita. Aproveitando a sua velocidade e o jogo combinado de ambos os pés, com o treinador Janos Biri estreou-se no “Glorioso” como ponta direita, passando depois para a ponta esquerda onde fez “fama”. Com a chegada do técnico Ted Smith, este percebendo o seu virtuosismo em prol da equipa e capacidade de decidir um jogo mais complicado, utilizou-o a interior-esquerdo, lugar onde jogou a Taça Latina de 1950, que o “Glorioso” conquistou com brilhantismo e distinção. Feito único de um clube português, em oito edições desta prestigiada competição, percursora da actual Liga dos Campeões.
Habilidade natural para jogar à bola
Rogério foi um futebolista de grandes recursos técnicos, jogando bem com qualquer dos pés, embora rematasse com mais potência com o pé direito. Próximo da baliza adversária era temível: podia rematar de longe colocando a bola fora do alcance do guarda-redes ou em dribles eficazes tornear os defesas e o guarda-redes marcando junto à linha de golo! O facto de ser imprevisível possibilitou-lhe a marcação de inúmeros golos, sendo por isso o melhor goleador português a jogar na posição de extremo.
Não quis ser profissional
No início da época de 1954/55, quando se anunciaram grandes alterações na estrutura do futebol benfiquista, que sob a orientação técnica de Otto Glória assumia o profissionalismo, Rogério com 31 anos preferiu continuar a sua actividade profissional como vendedor de automóveis, que iniciara após o regresso do Brasil, onde face à sua popularidade conseguia boa aceitação nos clientes. Em 5 de Setembro de 1954, a um mês de completar 12 anos a honrar o “Manto Sagrado”, o Benfica realizou uma festa de despedida e homenagem, no Estádio Nacional, no empate a um golo com o FC Porto, num jogo que marcou a estreia de Coluna no “Glorioso”.
Após deixar o futebol do Benfica, ingressou no Clube Oriental de Lisboa, que resultara de uma fusão, em 1946, de três clubes, um deles o Chelas FC, onde jogou quatro épocas até 1957/58. Aos 36 anos abandonou o futebol federado, deixando uma grande saudade. Interessado pelo desporto, desliga-se do futebol de competição, mas continuará a praticá-lo até aos 53 anos, tal como o Ténis, que jogou aos fins-de-semana até há bem poucos anos.
Marcas fantásticas: colectivas e individuaisConquistou no “Glorioso” dez títulos oficiais em 12 temporadas: a Taça Latina em 1949/50; três campeonatos nacionais, em 1942/43, 1944/45 e 1949/50; e seis Taças de Portugal em 1942/43, 1943/44, 1948/49, 1950/51, 1951/52 e 1952/53, jogando e marcando em todas as finais. É o futebolista português com mais golos em finais da Taça de Portugal – 15 – marcando “só” na final de 1943/44, 5 dos oito golos do “Glorioso”.
UM RECORDE (QUASE…) IMBATÍVEL
FINAIS DA TAÇA DE PORTUGAL JOGADAS POR ROGÉRIO
Ed. N.º | Época | Local | Adversário | Res. | Marcadores |
22.ª |
42/43 |
Salésias |
Vitória FC Setúbal |
V 5-1 | 1-0,12’,Rogério 2-0, 23’, M. Costa 3-0, 32’, Julinho 3-1, 58’ 4-1, 71’, autogolo 5-1, 88’, Julinho |
23.ª |
43/44 |
Salésias |
GD Estoril-Praia |
V 8-0 | 1-0, 13’,Rogério 2-0, 15’,Julinho 3-0, 29’,Julinho 4-0, 35’,Arsénio 5-0,60’,Rogério 6-0,68’,Rogério 7-0,73’,Rogério 8-0,86’ Rogério |
27.ª |
48/49 |
E. Nacional |
Atlético CP |
V 2-1 | 1-0, 78’, Corona 2-0,76’,Rogério 2-1, 90’ |
28.ª
|
50/51
|
E. Nacional
| Associação Académica Coimbra
|
V 5-1
| 1-0, 3’, Arsénio 2-0,6’,Rogério 2-1, 26’ 3-1,53’,Rogério 4-1,72’,Rogério 5-1,78’,Rogério |
29.ª |
51/52 |
E. Nacional |
Sporting CP |
V 5-4 | 0-1, 9’ (GP) 1-1,24’,Rogério 2-1, 49’, Corona 2-2, 51’ 2-3, 55’ 3-3,69’,Rogério 3-4, 71’ 4-4, 73’, J. Águas 5-4,90’,Rogério |
30.ª |
52/53 |
E. Nacional |
FC Porto |
V 5-0 | 1-0, 35’,Rogério 2-0, 38’, Arsénio 3-0, 39’, J. Águas 4-0, 58’, Arsénio 5-0, 89’, Arsénio |
NOTAS: Em 1946/47 a competição não se realizou pelo alargamento da I Divisão ter sido mal programado, prolongando o campeonato até Julho de 1947;
Em 1949/50 a competição não se realizou pelo facto do Benfica ter como prioridade a participação na Taça Latina, prescindindo da inscrição na Taça de Portugal. A maior parte dos clubes desinteressaram-se, com a FPF a não realizar a competição
Nas 12 épocas a jogar pela principal equipa do Benfica, participou em 422 encontros, num total de 36 985 minutos (25 dias e meio consecutivos…) marcando 287 golos, ou seja um golo a cada 129 minutos. Conseguiu três golos em 10 jogos, 4 tentos em 6 encontros e 5 golos em 4 jogos. Titular em 418 dos 422 encontros, jogou sempre a atacante, essencialmente como extremo, à esquerda (223 jogos) ou à direita (73 jogos). Adaptava-se a qualquer posição na linha avançada, fazendo também com muito acerto o lugar de interior-esquerdo (102 jogos) e interior-direito (12 jogos). A avançado-centro só como recurso face a dificuldades momentâneas na equipa jogou oito encontros.
Uma lenda do futebol português
Rogério Lantres de Carvalho, popularmente conhecido por “Pipi” (pelo facto de gostar de andar aprumado e bem arrumado, em campo ou fora dele) marcou um capítulo dourado na história do futebol português. Foi o melhor futebolista do seu tempo e desde sempre, até à chegada de Eusébio. Aliás se quisermos personalizar a história do futebol português dividindo-a por capítulos, temos: Artur José Pereira (anos 10), Vítor Silva (anos 20 e 30), Rogério Carvalho (anos 40 e 50) e Eusébio (anos 60 e seguintes…). Todos eles foram os melhores do seu tempo e de sempre, até que surgisse um ainda melhor. E melhores temos quatro!
Que contes muitos mais, Glória Latina de Portugal
Alberto Miguéns
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