O novo «D'Artagnan Negro» e memórias de Lagardère
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O novo «D'Artagnan Negro» e memórias de Lagardère


"Há que agradecer a Jorge Jesus ter devolvido ao futebol português os velhos romances de capa e espada. Há muitos, muitos anos, outra figura do Benfica, José Torres, então no V. Setúbal, tinha traçado esse caminho.

Jorge Jesus confessou, ao seu estilo, não conhecer bem o D'Artagnan. Já José Mourinho, pelos vistos, conhece-o bem. Ao D'Artagnan e à gramática portuguesa, garante o próprio. Tenho dúvidas. A gramática inglesa, por exemplo, desconhece por completo.
Então aproveito a deixa e vou falar do D'Artagnan. Afinal foi uma figura da minha infância. Ele e Athos, Portos e Aramis. E o Conde de Monte Cristo. E Lagardère. Não, não porei o futebol de lado. Uma coisa não impede a outra.
Muita gente não sabe, mas o D'Artagnan não se limitou a ser uma personagem de Alexandre Dumas (pai) escritor francês que viveu entre 1802 e 1870 (já explicarei o preciosismo da data), autor também de «O Conde de Monte Cristo». É verdade que surgiu na trilogia - «Os Três Mosqueteiros»; «Dez Anos Depois»; «O Visconde de Bagelonne: Vinte Anos Depois» ou «Homem da Máscara de Ferro» - mas existiu de facto: chamava-se Charles Ogier de Batz de Castelmore, Conde de D'Artagnan, e era capitão dos mosqueteiros da guarda ao serviço do rei Luís XIV. Ora, este D'Artagnan autêntico, de carne e osso e espada à cinta, encarnou a história do outro, do de Dumas (pai), caindo na protecção do cardeal Mazarin e mantendo-se ao serviço da companhia dos mosqueteiros até à sua dissolução. Da sua arte no manejo das armas, não tenho notícias. Suponho-o excelente, embora não tanto como o invencível D'Artagnan das páginas da velha «Livraria Lello», onde o conheci.
Parece que, por via do desaguisado entre Mourinho e Jesus, se prepara para existir hoje na equipa do Benfica, entre o meio-campo e o ataque, magro e escuro, um «D'Artagnan Negro» chamado Talisca. Maneja os pés e o encanto de uma bola. Talvez não escrevam livros sobre ele, mas andará por muitos anos nas páginas dos jornais. Pelo seu talento, espera-se, e não por razão de bate-bocas espúrios se bem que curiosos.
O futebol não tem sido rico em alcunhas de capa e espada. D'Artagnan lembro-me de um, Robert Pires, por sinal com sangue português, que ganhou o «petir-nom» ainda no seu tempo de Metz. E de Ruud Gullit, «A Tulipa Negra», outra obra de truz de Alexandre Dumas (o pai). Se falho, culpo a minha amaldiçoada memória, cada vez mais insuficiente para os anos que vai acumulando.
Mas, no Brasil, há outro D'Artagnan, sem apóstrofe: Dartagnan Jatubá torcedor profissional. Isso mesmo. Só os brasileiros para nomes assim e profissões quejandas. Dartagnan Jatubá acompanha a selecção brasileira nos Campeonatos do Mundo, mas não se resume ao futebol, apoia as equipas de basquete, de vólei, de ténis... O ordenado é-lhe pago pelos patrocinadores. Ele só tem de usar a sua espada: a garganta. Ele e os mosqueteiros que o acompanham...

A estocada final do «Bom Gigante»
Falei de Alexandre Dumas (pai) e vou falar igualmente de Paul Féval (também pai). Ambos tiveram filhos, o que não é de estranhar, e ambos tiveram filhos escritores, o que foi uma espécie de herança. Alexandre Dumas (filho) dedicou-se a uma escrita mais romântica e foi autor, por exemplo, do famoso «A Dama das Camélias». Paul Féval (filho) seguiu as pisadas do progenitor e até de Alexandre Dumas (pai). Foram dele «O Filho de Lagardère» e «O Filho de D'Artagnan».
Bem, mas vamos ao Paul Féval pai. Foi praticamente contemporâneo de Alexandre Dumas (o pai, não o filho), vivendo de 1816 a 1887 (e aqui justifico o tal preciosismo), e criador de um herói tão famoso com D'Artagnan - Lagardère, Chevalier Lagardère, ou Henri Lagardère, surgiu numa série de novelas tituladas. «O Corcunda». No cinema vi-o com a cara de Jean Marais. Dizia: «Si tu ne viens pas a Lagardère, Lagardère ira a toi!». Terrível ameaça.
Se Talisca é agora o D'Artagnan, ou «D'Artagnan Negro», já houve um Lagardère no futebol português.  E jogou no Benfica, embora a alcunha lhe tenha sido posta depois. Foi ele o grande José Torres, mais famoso pelo epíteto de «O Bom Gigante». A história é simples, foi o próprio José Torres que ma contou, em sua casa, por entre o arrulhar dos pombos, já a doença o minava com crueldade: «Foi o José Maria Pedroto, em Setúbal, que começou a chamar-me de Lagardére. Como estava a caminho do final da carreira e jogava menos tempo, passei a ser o homem que ele fazia saltar do banco para dar a estocada final.»
Digamos que foi «à Lagardère» (expressão que também teve a sua época em Portugal) que José Mourinho resolveu responder a Jorge Jesus, de gramática numa mão e duas pedras na outra, mal ouviu falar de D'Artagnan. Se bem que tanto D'Artagnan como Lagardère fossem baluartes do cavalheirismo, algo que Mourinho ignora tanto como a gramática inglesa. O Conde de Monte de Cristo, também de Alexandre Dumas (pai) tinha um lema: «Nem esquecimento nem perdão!» Aqui vou tentando combater os esquecimentos. Com a pena, não com a espada."

Afonso de Melo, in O Benfica



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