O silêncio dos inocentes da Quinta Pequena
Benfica

O silêncio dos inocentes da Quinta Pequena


"Em duas épocas consecutivas, o Benfica defrontou o Luso do Barreiro na primeira eliminatória da Taça de Portugal: uma enxurrada de golos - sete mais doze, mas seis mais seis. Num dos jogos, José Torres marcou sete!

Bem sei que, no Funchal, a sorte e o azar são muito relativos. Mesmo assim arrisco-me a dizer que há equipas às quais o azar bate à porta com facilidade e regularmente.
Vamos ver o curiosíssimo caso do Luso.
Luso do Barreiro: fundado a 11 de Abril de 1920.
Mas o azar do Luso foi mais tardio: acumulou-se entre 1962 e 1963.
Comecemos pelo princípio, diria o senhor de La Palice.
Estávamos em Setembro, dia 23 de Setembro de 1962. O Benfica preparava-se para rumar a Manchester onde defrontaria o United num particular entusiasmante que terminou com um empate 2-2. (Podemos falar deste jogo um destes dias, se estiverem para aí virados).
Mas, para já, deixamos Manchester e vamos mais prosaicamente ao Barreiro, já ali do lado de lá do Tejo.
A primeira eliminatória da Taça de Portugal ditou um Luso do Barreiro-Benfica.
Nesse tempo as eliminatórias eram todas a duas «mãos». Esta não fugia à regra e abalavam os 'encarnados' para Sul já com a cabeça em Manchester como é normal nestes casos.
«Partida em ritmo de treino», acusavam os periódicos. «Benfica devagar e devagarinho», escrevia-se na imprensa.
Fosse como fosse o resultado foi expressivo da diferença entre as duas equipas: 0-7.
Ao «ralenti» ou em «câmara lenta» foi-se de golos. Lá está - azar do Luso. E enquanto o Benfica foi até Manchester mostrar os seus campeões europeus, os pobres jogadores do Luso não adivinharam sequer o que estava para lhes acontecer na segunda «mão», no Estádio da Luz.
Não tardou muito: dia 4 de Outubro.
Golos, golos e mais golos!!!
Um exagero de golos que já não se usa mas que se usava à época. O Benfica volta a actuar com muitos dos seus reservas. Aliás quase só reservas: Barroca; Serra e Maximiano; Neto, Saraiva e Brás; Cesarino, Calado, Torres, Pedras e Mendes.
Reservas mesmo, e ponto final.
Calado marcou dois; Pedras, três; e Torres, o grande José Torres, só à sua conta marcou 7 - sim, por extenso, sete.
12-0 para o Benfica e um Luso desfeito no regresso à margem sul.
E se pensam que o azar dos barreirenses se ficou por aqui, desenganem-se. Leiam só mais uns parágrafos.


Finalmente um golo!
O Benfica não conquistaria essa edição da Taça de Portugal: perderia 0-2 frente ao Sporting na final do Jamor.

Mas venceria a seguinte e de que maneira: 6-2 ao FC Porto!
Ora adivinhem só quem cairia em sorte aos 'encarnados' na primeira eliminatória? Isso mesmo! Acertaram em cheio!!! O Luso do Barreiro.
Voltavam os cordeiros à imolação vermelha. Da qual saíram de novo sob o deprimente silêncio dos inocentes.
Precisamente um ano menos um dia mais tarde: 22 de Setembro de 1963.
Nova vitória gorda do Benfica: 6-0 no Campo da Quinta Pequena.
Força a mais contra força a menos. E a força, no futebol, como todos sabemos ajuda a impor a técnica.
Conta quem lá esteve que o Luso do Barreiro durou meia hora. E como os jogos duram hora e meia, as contas fazem-se já aqui ao lado.
Vida difícil a da rapaziada do Luso, convenhamos. Três encontros, três cabazes de Natal antes de Dezembro, vinte e cinco encaixados e nem um para amostra.
Mas havia ainda mais um Benfica-Luso marcado para esse mês de Setembro: no dia 29, no Estádio da Luz, segunda «mão».
Como não poderia deixar de ser, o Benfica voltou a fazer golos em catadupa: mais seis. Só que também houve uma novidade: o Luso marcou!
Só por isso valeu uma ou outra crítica à falta de empenho Benfiquista. Coisa que terá feito os jogadores encarnados dormirem para o lado que melhor lhes conveio, creio eu.
O resultado foi mais do mesmo: 6-1.
Preocupava a lesão de Eusébio, a inadaptação de Coluna a n.ª 9. Agradavam os três golos de José Augusto e, no Luso do Barreiro, gabavam-se Faia (mais um dos que passavam ao lado da carreira) e o médio Batata e o dianteiro Haran.
Entretanto, em Lisboa, tudo na mesma: a vida corria..."

Afonso de Melo, in O Benfica



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