O voo negro que encantou Paris
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O voo negro que encantou Paris


"Em 1973, Eusébio, aos 31 anos, marcava golos atrás de golos - só no Campeonato foram 40. Ganhou a sua segunda «Bota de Ouro» e o Benfica foi Campeão concedendo apenas dois empates.

Voltemos a Eusébio. Mais do que não esquecê-lo, é preciso relembrá-lo. Recordo-me desse auxiliar indispensável, há tanto tempo escrito já: «Viagem em Redor do Planeta Eusébio». E recuo até 1973. 1973 foi um ano marcante na carreira de Eusébio. Profundamente marcante! Marcou 40 golos no Campeonato Nacional.
O Benfica foi Campeão com apenas dois pontos perdidos: 28 vitórias e 2 empates; 101 golos marcados e 13 sofridos. Só num jogo não marcou: na Tapadinha, com o Atlético, na penúltima jornada (0-0). Nenhuma outra equipa faria melhor.
Na Luz, foi infernal: Leixões: 6-0 (3 golos de Eusébio); Beira-Mar: 9-0 (3 golos de Eusébio); Sporting: 4-1 (4 golos de Eusébio); Belenenses: 5-0 (3 golos de Eusébio); FC Porto: 3-2 (Eusébio não jogou); Farense: 3-0 (Eusébio não jogou); Atlético: 2-0 (1 golo de Eusébio); Boavista: 4-1 (1 golo de Eusébio); U. Coimbra: 6-1 (2 golos de Eusébio); Barreirense: 3-0 (estranhamente, Eusébio não marcou); V. Setúbal: 3-0 (1 golo de Eusébio); U. Tomar: 2-1 (2 golos de Eusébio); V. Guimarães: 8-0 (3 golos de Eusébio); Montijo: 6-0 (4 golos de Eusébio).
A linha avançada do Benfica era, provavelmente, a melhor desde o tempo das vitórias na Taça dos Campeões: Nené, Eusébio, Vítor Baptista, Artur Jorge, Jordão e Simões.
Em 1973, Eusébio marcou o seu último golo pela Selecção Nacional. Em Coventry, em Inglaterra, por causa dos conflitos que se viviam em Belfast, na fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 1974, frente à Irlanda do Norte. Resultado: 1-1. Eusébio converteu um penálti, aos 84 minutos. O guarda-redes era Pat Jennings, do Tottenham.
Em 1973, Eusébio fez o seu último jogo pela Selecção Nacional. No Estádio da Luz, frente à Bulgária (2-2). Lesionado, foi substituído por Jordão, aos 28 minutos. Eliminado do Campeonato do Mundo, Portugal trocaria de seleccionador: saiu José Augusto e entrou José Maria Pedroto. A Selecção portuguesa bateu no fundo: Pedroto inventou a renovação e ficou para a história como o seleccionador que só ganhava ao Chipre.

Esse Eusébio que já não serve...
Em 1972/73, a época na qual Pedroto decidiu que Eusébio já não servia para a Selecção Nacional, Eusébio marcou 76 golos. Sete-seis: 76. Por extenso: setenta e seis!
3 na Taça de Honra: Belenenses 1 e Atlético 2; 40 no Campeonato: Leixões 4, Beira-Mar 3, U. Coimbra 3, Sporting 4, Belenenses 4, U. Tomar 3, CUF 3, Atlético 1, Montijo 5, V. Setúbal 1, FC Porto 1, Farense 2, V. Guimarães 3; 2 na Taça dos Campeões: Malmo 2; 3 na Selecção Nacional: França 2 e Irlanda do Norte 1; 28 em jogos particulares: Selecção da Indonésia 4, Benfica Luanda 1, Sporting Luanda 2, Selecção Frankfurt 1, Selecção Hong-Kong 3, Selecção Chinesa 2, Misto Macau 2, Marítimo 1, Seiko 2, Caroline 1, Anderlecht 2, Nottingham Forest 1, Boavista 1, Málaga 2, Estrela Vermelha 3.
Eusébio tinha 31 anos. E marcava golos como nunca.
Em Paris, Eusébio soube sempre ser feliz. Desde aquela tarde dos três golos ao Santos, no Parque dos Príncipes. E os franceses souberam sempre amar Eusébio de uma forma dedicada, apaixonada, como só os franceses são capazes de amar. Diferente dos ingleses, pois claro, que lhe devotaram mais admiração e respeito do que verdadeira paixão.

Só por uma das sessenta e quatro vezes que jogou com a camisola dos cinco escudos azuis de Portugal, Eusébio esteve Paris. Mas, nessa noite de Março de 1973, Eusébio ofereceu a Paris todo o seu esplendor: o esplendor de Portugal!
FOTO: de costas, na sua grande passada larga, imponente, Eusébio fura pelo meio de dois adversários, o 2 e o 4; Eusébio tem a braçadeira de «capitão» na manga esquerda, e o 10 nas costas; dir-se-ia um 2014 em movimento tripartido. Data: 4 de Março de 1973. Local: Parque dos Príncipes, em Paris. Legenda: «Guarda - Estava anunciada guarda negra para Eusébio. Negra ou branca, a verdade é que 'capitão' português foi estreitamente vigiado durante todo o encontro, como nesta fase em que aparece entre Broissart e Adams».

Guarda negra: os franceses tinham avisado que, contra Eusébio, utilizariam dois centrais altos, fortes e negros - Adams e Marius Trésor. A defesa direito, outro homem das colónias: Broissart.

Eusébio nem ligou aos avisos. Também não ligou ao facto de a França se ter adiantado no marcador, aos 36 minutos, por Molitor. Dois minutos depois, empata, num penálti a castigar falta de Trésor sobre Abel. No último minuto do jogo, como que para assinar o «grand finale» ao seu estilo único, um centro de Pavão, na esquerda, apanha de surpresa todos os habitantes da grande-área francesa menos... Eusébio: um mergulho, um desvio de cabeça, um golo bonito, suave, irretocável. Um voo negro que encantou Paris!
Cornus, o guarda-redes francês, conforma-se: «Aquele golo de Eusébio deixou-me siderado! Na posição em que ele se encontrava esperei que ele fizesse o remate com o pé e nunca com a cabeça. É claro que, quando ele meteu a cabeça, fiquei logo batido. Não tive qualquer hipótese! Não foi golo - foi um golão!»

A imprensa francesa reservava-lhe, mais uma vez, a habitual ladainha de elogios.
Dany Rebello, jornalista do «Journal du Dimanche», em título: «Eusébio derrotou a França!»
Manchete do «L'Équipe»: «Et, par dessus, ils avaient Eusébio...» E, no interior, em quatro páginas de crónica e reportagem, Eusébio, Eusébio, e outra vez Eusébio: «Eusébio, le roi du Parc».
Primeira página do «Parisien Liberá»: «Un vrai festival Eusébio!»
Que inveja tenho dos franceses: para eles era fácil escrever sobre Eusébio."

Afonso de Melo, in O Benfica



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