Benfica
Ouviam-se em Toumba gritos contra os coronéis...
"Em 1973, o Benfica visitou pela primeira vez a Grácia. Dispoutou e venceu o Torneio de Salónica contra o Olympiakos e Aris, mas não se encontrou frente a frente com o seu adversário europeu de Fevereiro.
Quando eu era miúdo, dizia-se Tissalónica. Mas a verdade é quando eu era miúdo também se dizia Glásgua, Francoforte ou Mogúncia. Assim vão as glórias do Mundo...
Em Agosto de 1973, o Benfica chegava pela primeira vez à Grécia, depois de já ter calcorreado os sete cantos do planeta. Aceite-se. A Grécia estava ainda longe de ser um país do Futebol, embora, curiosamente, tenha sido à Grécia que os holandeses foram buscar muitos dos nomes dos seus clubes, como o Ajax ou o Heracles, por exemplo. Entusiasmo havia muito; qualidade rareava.
O Benfica foi convidado então para disputar o Torneio de Salónica, como agora se diz mais prosaicamente.
Capital da Macedónia, da outra Macedónia, não da agora independente que fez parte da antiga Jugoslávia, mas a Macedónia de Alexandre o Grande, aliás, meio irmão de uma tal de Tissalónica, casada com o rei Cassandro. E assim se explica o nome da cidade que o Benfica visitará outra vez em Fevereiro de 2014, quarenta anos e alguns meses após a tal visita inaugural.
Segunda cidade da Grécia, local onde se situa a famosa Torre Branca, também ela sinal de poder de um país a seu tempo reunificado, recebeu nesse Verão ao qual já fizemos referência o tal torneio em que o Benfica participou, defrontando primeiro o Olympiakos, no dia 31 de Agosto, e em seguida o Aris de Salónica, no dia 2 de Setembro.
Duas vitórias sem espinhas, como sói dizer-se. Contra o Olympiakos, houve o episódio meio célebre de ver Humberto Coelho jogar a avançado-centro, a par de Nelinho e Moinhos, de início, e depois com Nené no lugar de Moinhos. Humberto marcou um golo. Um dos três (3-1), cabendo os outros a Nelinho e Nené.
Paladinos da resistência
Diziam as crónicas da altura que o troféu para o vencedor do Torneio de Salónica era uma belíssima taça, mas de latão. Não sei, nunca a vi. Talvez esteja hoje em dia no Museu, prometo que se estiver lhe vou dar uma olhadela atenta. Ao que se consta, igualmente, cada jogador recebeu como prémio pela vitória no torneio a verba de 19 contos de reis, soma nada dispicienda para os tempos que se viviam.
Seja, adiantei-me. Antes de meterem ao bolso a maquia, os jogadores do Benfica tiveram de bater a outra equipa grega, o Aris de Salónica que viria mais tarde a causar amargos de boca aos 'encarnados', aí já a doer, numa eliminatória europeia.
Humberto Coelho, o «capitão» voltou a jogar no ataque, desta vez com Nelinho e Artur Jorge como companhia inicial, para depois entrarem para os lugares destes Moinhos e Nené.
Os golos (2-0) foram de Messias e de Pedroto, uma estria na primeira equipa, Bernardino Pedroto, como está bem de ver, e não José Maria, de quem sempre se disse ser filho, até o próprio o assumiu em entrevista à velha «A Bola» mas sem confirmações por aí além.
Pedroto não teve grande futuro no Benfica, não tardaria a rumar a Guimarães, viria a ter um futuro interessante, isso sim, como treinador, sobretudo em Angola. O Benfica, esse, tem um passado fantástico e terá sempre o futuro que os seus adeptos quiserem. Para já, no futuro futuro imediato, vem aí o Pan-Tessalonican Athletic Club Constantinopolitans, o PAOK, herdeiro do antigo Hermes, fundado pela comunidade grega de Pera, em Istambul, em 1877. Com o advento da guerra greco-turca, os gregos da Turquia viram-se obrigados a regressar a casa. Os que se instalaram em Salónica, fundaram o AEK, que não tardou a mudar de nome para PAOK. Os que preferiram Atenas fundaram o AEK, que não em deu PAOK e se manteve orgulhosamente AEK de Atenas.
Nesse ano de 1973, no qual o Benfica visitou Salónica, mas não defrontou o PAOK, este vivia a sua fase de afirmação no Futebol grego, pondo em causa o domínio dos clubes atenienses de uma forma como os seus conterrâneos Aris e Iraklis nunca foram capazes de fazer.
E mais ainda: no tempo da ditadura da junta militar, instalada na Grécia entre 1967 e 1974, mais conhecida pelo Regime dos Coronéis, o PAOK tornou-se um paladino da resistência. O Estádio de Toumba, um bairro do leste da cidade, foi testemunha de slogans anti-regime que fizeram dos adeptos do PAOK um exemplo de força e de coragem.
Por isso, por mais fanáticos que sejam, merecem todo o respeito."
Afonso de Melo, in O Benfica
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