A insustentável hipocrisia de dizer mal das claques
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A insustentável hipocrisia de dizer mal das claques


"As claques e o politicamente correto
, por todo o lado, uma ideia generalizada do politicamente correto. No futebol, ela passa, entre outros caminhos, pela repetição - sempre que faltam os argumentos numa qualquer discussão mais intelectualizada pela condenação, sem qualquer possibilidade de redenção, das claques dos clubes. Qualquer intelectual que se preze, numa qualquer discussão onde lhe faltem argumentos ou conhecimentos para discutir o que ocupa as primeiras dos jornais desportivos, será sempre considerado como uma voz avisada se, qual Conselheiro Acácio, essa personagem queirosiana de eleição, deitar, do alto da sua sapiência... 'se não fossem as claques'... Ou, 'os clubes têm de ter coragem de acabar com as claques'... Ou 'as claques é que estragam o futebol'.
Quem diz tais barbaridades, por norma, não gosta ou nunca entrou num campo de futebol. E, quando o faz, até por razões profissionais, recorre a este tipo de chavões para ter os destinatários mais incautos da opinião pública como seus apoiantes incondicionais.
A esses, aos que fazem deste lugar comum a ideia mais profunda que têm sobre a matéria, só poderemos dizer que, hoje, quer se queira quer não, quer se goste ou não, o futebol não existe - nem pode existir - sem as claques.
Na verdade, repita-se, quem quer dizer mal ou diabolizar o futebol tem um ponto seguro de aplauso quase generalizado da unanimidade daqueles que não gostam de futebol e de uma grande parte dos que, gostando, se põem do lado certo da barricada.

As claques como movimentos de sócios
As claques, hoje em dia, são compostas por sócios, que têm tantos direitos como qualquer outro sócio de cada um dos clubes que apoiam.
E que, reconheçamos, basta falar com eles, uma vez, só para perceber que, pelo menos, sofrem tanto como qualquer um de nós.
Digo-o com a lucidez de não generalizar, até ao infinito, a inocência ou a imagem imaculada de todos e de cada um dos elementos que compõem as claques dos maiores clubes portugueses (como em todo o mundo).
Mas isso só faz com que saibamos reconhecer que, sendo uma claque o espelho da sociedade de onde vêm e onde pertencem cada um dos seus membros, não são melhores nem piores do que os locais, as profissões e os grupos de onde saem. Ou seja, uma fotografia a papel químico da sociedade portuguesa (a que esses mesmos intelectuais viram costas, por não admitirem a sua quota parte de responsabilidade na sua existência).
Nem melhor, nem pior.
Apenas igual, porque emana dela!!!
Esta tentativa de diabolizar os que se expressam como apoiantes das equipas de que são adeptos apaixonados, tende a exorcizar as culpas de cada um dos intelectuais que não compreendem o povo, porque têm horror ao que ele representa.
A massificação, os movimentos colectivos ou organizados sempre causaram muita impressão a quem não tem votos ou só tem opinião, e por isso, não os consegue compreender e controlar...
E estou tão à vontade para reafirmar este meu respeito pelas claques, quando eu próprio já fui alvo de ofensas físicas de alguém afecto a uma organização de adeptos.
Mas, ainda assim, e apesar disso, sempre soube separar o todo (ou os todos) das partes e reconhecer os que estão sempre presentes.
O que não significa, com isto, legitimar o tráfico de droga, de armas, compactuar com as agressões, físicas e verbais, entre tantos outros actos que repudio, tantas vezes associados - e confundidos - a esses elementos organizados.
O mundo do futebol, e o espectáculo fora das quatro linhas propriamente dito, não teria a mesma alegria sem esses elementos, que tantas, e tantas vezes, puxam pelos restantes adeptos e incentivam a equipa. Por não termos um you'll never walk alone do Liverpool - ao contrário dos que uns acham e tentam fazer -, por não termos a exemplar cultura desportiva, mas principalmente de apoio e de incentivo da liga inglesa, o nosso futebol, muito em particular, precisa desse tipo de organizações de adeptos.
Mas sem atos de violência!!!
Por isso cabe a todos e a cada um de nós, enquanto participantes, diretos ou indiretos, no mais belo espetáculo, que é o futebol, torná-lo num exemplo, enquanto tal, e enquanto lugar seguro, onde possamos levar os nossos filhos, sem qualquer receio.

Claques e a responsabilidade enquanto adeptos e dirigentes
Cabe, ainda, a cada um de nós, refém dessa responsabilidade, começar a interiorizar e a assumir, de uma vez por todas, a existência (fundamental) das claques.
Como adeptos, mas, essencialmente como dirigentes. Sem medo de falar com eles, negociar com eles e, até, aprender com eles.
Cabe, também, aos agentes de autoridade contribuir para essa harmonia, controlando, da melhor forma, eventuais perigos transversais a qualquer sociedade.
Até porque, a maior parte das pessoas, no mundo de hoje, se associa e se deixa representar por... organizações!
Do mais variado tipo... sejam sindicais, religiosas, políticas...
Reconheça e assuma, pois, essa mesma elite, esses mesmos e sempre avisados elementos pertencentes aos grupos que só integram filhos ungidos desta ditosa pátria minha amada (sempre pronta ou prontos a diabolizar o papel e até a existência das claques), que, quando estão em causa os seus interesses, na esmagadora maioria das vezes, assumem que a mesma se faz pelo sindicalismo intransigente.
Ou seja, os maiores defensores do sindicalismo, quando está em causa a defesa... dos seus próprios direitos são os maiores cáusticos das claques, quando está em causa o direito dos interesses clubísticos que estas representam.
As claques poderão, até, ser entendidas como sindicatos de opinião, de representação, e devem existir como movimento de sócios legitimados...
Pela mesma razão que a concertação social existe: para dialogar e negociar com os agentes económicos e sociais, no âmbito das decisões a serem tomadas sobre determinadas matérias.
E pelo facto de não ver maldade nos grupos organizados de adeptos, desde que sujeitos a determinadas regras - que não se confundem com as associações globais de adeptos, com nomes generalizados e com meia dúzia de elementos, que tentam ter a mesma legitimidade de direcções eleitas.

As claques e a legitimidade democrática
O assunto claques tem obrigatoriamente de ser abordado pelos responsáveis máximos dos clubes, embora, reconheçamos, os adeptos votam em função das expectativas dos resultados e não dos programas... mentalidade essa que terá de ser alterada.
Até porque, cada vez mais, as eleições nos clubes vão ter o mesmo registo das outras eleições, em que os candidatos terão de assumir o projecto que defendem, os respectivos objectivos, a estratégia a adoptar, a política de alianças que visarão.
Como na política!
Ou seja, quer em relação a claques, quer em relação a outros assuntos essenciais da vida de um clube, é necessário definir-se, desde logo, tudo isso.
Para que a legitimidade, que existe, seja em função de resultados mensuráveis.
É necessário definir o que propomos e ao que vamos...
Para interesse de todos, enquanto sócios.
Talvez não nos próximos actos eleitorais, mas, com toda a certeza, em eleições que terão lugar ainda nesta década.
Compreendido?"

Rui Gomes da Silva, in A Bola



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