ENTREVISTA A ERWIN SÁNCHEZ
Benfica

ENTREVISTA A ERWIN SÁNCHEZ



Campeão pelo Benfica em 1991 e também pelo Boavista em 2001,o i entrevista o maestro boliviano na véspera do clássico na Luz.Ouçamo-lo, é uma viagem alucinante pela Marginal
Monsieur Platini. Quando ouvimos isto, está o caldo entornado. O Monsieur aqui é irónico até dizer chega. Não somos assim muito pró-Platini. Nem assim-assim. Não é um personagem com quem nos identificamos. O Michel. O francês que nos elimina na meia-final do Euro-84 com um golo aos 119-e-tal minutos. Monsieur Platini é artista. Da cabeça aos pés. É um número 10 do best. Com tiques de avançado-centro. Daqueles implacáveis. Em Itália, é três vezes seguidas melhor marcador da Serie A, precisamente nos anos em que se consagra a nível internacional com a Bola de Ouro (1983, 1984 e 1985). Este é o Platini. Génio e figura, sem dúvida. Mas não representa o Benfica. Nem o Boavista. Portanto, stop. Não vale mais a pena falar dele.
Vamos "masé" falar do outro Platini. Sem o Monsieur como prefixo, porque não queremos misturar ironia com Erwin Sánchez. E é simples. Sánchez, o Platini boliviano, sagra-se campeão nacional pelo Benfica (1990-91) e pelo Boavista (2000-01) num total de 13 anos na 1.ª divisão, com 59 golos em 288 jogos. Vai daí, é ligar 0059 e por aí fora. O telefone toca uma, duas vezes e... magia. Platini no outro lado.
Buenas tardes, Erwin Sánchez?
Si.
Daqui Rui Miguel Tovar, periodista portugués.
Booooom diiiiiiiia, tudo bem?
Sim, e por aí?
Tudo óptimo, obrigado.
Amanhã é dia de Benfica-Boavista. Sabia?
Sim, sim, li ontem à noite na internet.
Que tipo de sensações lhe traz esse jogo?
Em bom português? Saudade. Muitas saudade. Fui feliz, muito feliz, nesses dois clubes, como também o fui no Estoril [oito golos em 28 jogos em 91-92]. Nunca mais me esqueço de uma pessoa que me marcou nessa época, o Fernando Santos. Era o nosso treinador e, às vezes, perdíamos horas a falar de futebol e não só no hall do hotel, durante os estágios. É um homem sério e divertido, ao mesmo tempo. Vocês têm muita sorte em o ter como seleccionador, ele já merecia uma oportunidade dessas. Como também merecia o Manuel José. Dois grandes homens, que me marcaram muito. No futebol e no intelecto. As suas conversas extra-futebol eram enriquecedoras porque eram pessoas fora de série. Com mundo, sabes como é?
Sei pois. Conheço os dois e percebo a ideia. Este telefonema é mais para saber como é que um jogador é campeão num clube e no outro, sendo que...
O Boavista foi campeão só uma vez, não é? Acho que tem a ver com sorte e com o facto de estar na hora h num e noutro clube. No Benfica, é mais fácil, sim. É um clube enorme, cheio de potência, cheio de adeptos, cheio de mística. O Boavista é um clube mais pequeno, mais familiar, mais reservado mas também grande à sua maneira. Ou melhor, foi crescendo aos poucos até dar aquele golpe em 2001. Há anos e anos [desde 1946, com o Belenenses] que nenhum outro clube fora campeão nacional. O Boavista rompe com a tradição, o que é óptimo.
Comecemos pelo princípio. Lembra-se do primeiro dia em Lisboa?
Como no? [ai agora é em castelhano] À medida que me aproximava do Estádio da Luz, os meus olhos saltavam. Nem queria acreditar que estava ali. E lembro-me de pensar que nunca mais queria sair dali.
Quem era o treinador desse Benfica?
Eriksson, Sven-Goran Eriksson.
E como era?
Falava pouco e fazia muito.
E mais?
Era uma equipa talentosa. Cresciam jovens como Samuel e Paulo Sousa. Havia veteranos como Ricardo, Veloso, Paneira, Pacheco e Rui Águas. Marquei um golo nesse campeonato, ao Vitória de Guimarães. Na baliza, Jesus.
Onde é que estava na festa do título?
No banco de suplentes. Não saí de lá. Ganhámos 2-0 ao Marítimo, na Madeira. O Rui Águas marcou um golo que o ajudou a ser o melhor marcador do campeonato com um golo de avanço sobre o Domingos.
Onde é que vivia?
Em Cascais.
Uyyy, boa vida.
Eheheheh, aquilo era lindo. Naquele tempo, ainda não havia autopista [autoestrada] e portanto ia pela Marginal.
Pouco bom...
Eheheheh, lindo, lindo, mesmo com trânsito. Queria lá saber do caos e das buzinas, era um trajecto inspirador.
E quando jogava no Boavista, morava onde?
Matosinhos.
Na terra dos restaurantes?
Eheheheheheh, não me faças rir. Tanto peixe. Nem imaginas. Que saudade.
E onde estava quando o Boavista foi campeão?
Em campo. Ganhámos 3-0 ao Aves e saí perto do fim. Na jornada seguinte, perdemos 4-0 nas Antas, com três golos do Deco, se não me engano [certíssimo].
Pelo meio, também ganhou uma Taça de Portugal. Pelo Boavista...
E ao Benfica, 3-2 em 1997. É o último jogo do Nuno Gomes pelo Boavista. Ele marca um golo e eu dois.
Pois, o Sánchez não só é campeão nacional pelos dois clubes como marca pelo Boavista ao Benfica e também pelo Benfica ao Boavista.
O meu único golo pelo Benfica ao Boavista é um de livre directo. De nada valeu, porque foi estava 2-0 para o Boavista e apenas reduzi
Acabei de ver esse golo no youtube. Grande pontapé.
Era feliz assim, a marcar livres.
Nessa altura, o guarda-redes do Benfica era o Preud'homme. Conviveu com ele?
O Michel era maravilhoso. Era o meu vizinho em Cascais e íamos juntos para o treinos. Durante a viagem, falávamos e falávamos. Não havia um segundo de silêncio.
Nessa altura já havia autopista?
Ehheheheh, sim, aí sim. Mas íamos pela Marginal.
Como seleccionador da Bolívia, ganhou 6-1 à Argentina de Maradona. È o seu melhor resultado desportivo de sempre?
Nunca pensei assim, nunca fui de olhar para trás e escolher este ou aquele momento. Sinceramente. Gosto de jogar o dia a dia. Passo bem assim. Esse resultado foi melhor ainda porque ganhámos aos melhores da Argentina. Não há aquela desculpa 'este não jogou, nem aquele'. Não, nesse dia, por acaso o das mentiras [1 Abril 2009], eles jogaram com Messi, Zanetti, Demichelis, Heinze, Mascherano, Gago e Tevez. Jogaram todos e ganhámos 6-1.
Falamos agora de tristezas. A derrota na final da Copa América é a mais significativa?
Mira, essa derrota com o Brasil [3-1 em 1997] foi mais grave do que se pensa. É um assunto triste, tristíssimo. Queríamos ganhar a Copa América, ainda por cima a jogar em casa. Havia essa ilusión e tudo foi por água abaixo. Horas antes da final, o filho de três anos de Ramiro Castillo [avançado] morreu. Recebemos a notícia e fomo-nos abaixo. Completamente. O futebol deixou de ser importante a partir desse momento. Ainda chegámos empatados ao intervalo [1-1 por Sánchez, aos 45'] mas não era dia de futebol. Não, não era. [o próprio Castillo falha o jogo e nunca mais ultrapassa esse momento; tanto assim é que se suicida em Outubro de 1997, aos 31 anos].
O Castillo também foi ao Mundial-94, como o Sánchez?
Sim, fomos juntos.
E o Sánchez marcou à...?
Espanha, Zubizarreta. Foi um golo às três tabelas. Rematei forte mas a bola bateu num defesa e passou por cima do arquero. O que me lembro desse jogo: do calor insuportável e do Guardiola jogar com o número 9. Logo ele que como que inventa aquela moda do 9 não ser um avançado-centro, já viste?
Obrigado Platini, abraço.
Abraço. E saudade.



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