Nené tem 575 jogos pelo Benfica. Não há ninguém como ele. Nem Veloso (538), nem Coluna (525), Humberto Coelho (498) ou Shéu (487). Eusébio tem 473 golos pelo Benfica. Não há ninguém como ele. Nem José Águas (379), Nené (359), Torres (226) ou Arsénio (220). Coluna tem 18 títulos pelo Benfica. Há alguém como ele? Só Nené. De resto, façam fila se faz favor. Shéu e Eusébio (17), Bento, Cavém e Simões (16). Nené tem 66 internacionalizações pelo Benfica. Não há ninguém melhor que ele. Nem Eusébio (64), Bento (63), Humberto Coelho (62) ou Nuno Gomes (60). Por muitas voltas que demos, não aparece o nome de Mats Ture Magnusson. E então? Isso não lhe retira qualquer mérito.
Magnusson tem "só" 84 golos em 164 jogos e três títulos pelo Benfica, mas é uma referência obrigatória para qualquer adepto nascido entre o final dos anos 70 e início dos 80. Fisicamente, corresponde ao arquétipo dos nórdicos: alto e louro. Futebolisticamente, destaca-se dos demais pela classe e pelo sentido de oportunidade.
Sabe jogar muito bem de cabeça e tem um físico imponente que afastava qualquer defesa com um simples toque, por ligeiro que fosse. Remata forte, de qualquer lado do campo. Chega ao Benfica através de um treinador dinamarquês, Ebbe Skovdahl, de seu nome. Estamos no Verão de 1987. No Outono desse ano já Magnusson é um indiscutível no coração de qualquer benfiquista do sete costados. Há até quem o idolatre ao ponto de ter uma camisola actual do SLB com o seu nome nas costas. E não, não é o próprio Mats
1. Mats Magnusson. É um prazer enorme falar finalmente consigo. Sabe da adoração dos portugueses pela sua pessoa, não sabe?
Claro que sim, e eu adoro-vos também. Parte da minha vida, pessoal e profissional, foi aí desenvolvida com golos, jogos, alegrias e decepções. Mais alegrias que decepções, anote aí. Que isto de ser do Benfica é assim mesmo. E anote outro pormenor: os suecos são todos adorados por culpa de Eriksson, o primeiro de todos. E Strömber, o segundo. Todos os seguintes, eu, Thern e Schwarz, devemos-lhes muito. Eles abriram-nos o caminho para Portugal.
2. Ainda se lembra da sua estreia?
Não é das memórias mais felizes [gargalhada sonora]. O Ebbe [Skovdahl] lançou-me a titular e perdemos em casa com o Marítimo. Um-zero, se não me engano [está certo, sim senhor]. Nesse mesmo mês, disso lembro-me muitíssimo bem, joguei com Portugal para a qualificação do Euro-88. Perdemos, aliás perdi 1-0 [Gomes], em Estocolmo. Fui titular e reencontrei o Álvaro.
3. Suécia-Portugal? Mas isso é um remake da qualificação para o Mundial-86.
Ehhhh lá, essas memórias são tristes para mim. Falhámos esse Mundial por culpa daquele golo do Carlos Manuel. Eu participei nessa campanha e até marquei um golo aos alemães, no último minuto [2-2 em casa]. Estávamos convencidos do apuramento quando a RFA perdeu pela primeira vez em casa [em qualificações para Mundiais]. Foi uma decepção imensa. Há um vídeo e tudo com isso. Eu apareço mas não o vejo. Prefiro outros filmes [é uma gargalhada ou são lágrimas? É Mats Magnusson, who else; são gargalhadas, pois está claro].
4. Como quais?
Ichhh, tanta coisa. Ganhei três campeonatos suecos e duas Taças da Suécia pelo Malmö, por exemplo. E em Portugal conquistei dois campeonatos [1989 e 1991] mais a Supertaça [1989].
5. E o título de melhor marcador do campeonato nacional?
Outra grande memória, obrigado. Foram muitos golos, na época pré-Mundial [1989-90]. Estava com tudo, queria um lugar no Mundial.
6. E conseguiste, não foi?
Fui para Itália, sim, mas não marquei nenhum golo. A Suécia também não se saiu bem e fomos eliminados na primeira fase [grupo com Brasil, Costa Rica e Escócia]. Dessa época guardo o tal título de melhor marcador do campeonato nacional [33 golos em 32 jogos]. Lembro-me de quatro ao Beira-Mar, mais quatro ao Penafiel. Tudo na primeira volta. Começámos o campeonato muito bem e eu apenas aproveitei a boleia para marcar golos até não aguentar mais. A equipa era fabulosa, muito talentosa. Por alguma razão ganhámos dois títulos de campeões e atingimos duas finais da Taça dos Campeões. Não é para todos, só para o Benfica.
7. Fale-me lá dessas finais europeias.
O que posso dizer para além do óbvio? É uma alegria incontrolável ter lá chegado, é uma tristeza inconsolável ter de lá saído de mãos a abanar. Na primeira, com o PSV, foram os penáltis. Na segunda, com o Milan, foi um golo de Rijkaard no nosso único erro defensivo. Joguei as duas e é preciso dizer que tanto PSV como Milan eram duas equipas fantásticas, com futebol nos pés. Só artistas. O PSV tinha Ronald Koeman, por exemplo. Só isso bastava para assustar qualquer um. O Milan, pfffff, o Milan nem é preciso dizer muito, não é? O Milan era o Milan. Já falei do Rijkaard, havia Gullit e Van Basten. Lá atrás, eu estava metido entre o Baresi e o Costacurta, centrais da selecção italiana durante anos e anos, finalistas do Mundial-94. Está tudo dito ou não? Para chegar a essas finais, o Benfica fez muuuuuito, muito, muuuuuuuito. Aquela meia-final com o Marselha ainda está gravada na minha cabeça.
8. Foi uma vitória e tanto. Com a mão de Vata?
[Terceira gargalhada sonora.] Vata, pois foi. Estava tapado por um defesa do Marselha mas foi um grande golo [quarta gargalhada sonora]. O segredo dessa equipa era a solidariedade. Havia muita camaradagem. Havia capitães com braçadeira e outros sem. Posso dizer-te que Veloso era enorme em todos os sentidos. Também Ricardo Gomes, claro. A sua presença fazia-se sentir sem palavras. O Paneira era dos mais engraçados, sempre a dizer piadas, tal como o Lima. Olha, o Lima marcou o nosso golo em Marselha. Tinha muita piada. Hernani igual, como o guarda-redes Silvino. O Valdo era outro bem-humorado. E com olhos nos pés. Uma bola dele para mim era meio golo. Lembro-me de ele ter posto a alcunha de Periquito ao Eriksson. Ai ai, bons tempos esses. O futebol era fluido, para a frente e sem medos. Eles, os outros, é que tinham de nos temer.
9. FC Porto e Sporting?
E outros clubes, como Boavista e Vitória de Guimarães, mas sim, FC Porto e Sporting à cabeça. Lembro-me de ter marcado dois golos ao Sporting na minha primeira época. Foi daqueles jogos em que começou mal [0-1 de Paulinho cascavel] e acabou bem [4-1]. Marquei dois e dei os outros dois, se não me engano. Sei que foi uma tarde de glória. Como muitas outras. tenho saudades desses momentos. No bom sentido. Gosto de as recordar.
10. Há sempre o recurso ao YouTube ou...?
Tenho lá muitos golos, sim. São esses filmes de que te falava há pouco, gosto deles. E de ver o Estádio da Luz cheio naqueles jogos à tarde. Aqui assustava qualquer um. Adversários e até a mim, vê bem. Lembro-me de às vezes treinar e ficar deslumbrado com todo aquele silêncio e as cadeiras vazias. Em dia de jogo a adrenalina subia facilmente quando subíamos ao relvado e ouvíamos os adeptos ao longe a puxar por nós. Jogar futebol é como ser uma estrela de rock. Se as pessoas nos adoram e puxam por nós, conseguimos fazer coisas inimagináveis. Nós jogávamos mas eles [adeptos] também. Se estivéssemos em sintonia, ninguém nos parava. Vê lá o Steaua nas meias-finais da Taça dos Campeões-88 [bis de Rui Águas e 2-0] ou o Marselha [1-0 de Vata]. Quando era a sério, éramos insuperáveis.
11. Então lembras-te da tua despedida, não?
Se me lembro? Claro que sim [pressente-se uma quinta gargalhada sonora, sim, ela vem aí, alto e bom som]. Ainda me lembro da ovação dos adeptos quando aí fui, em Janeiro de 2010, para o Jogo contra a Pobreza. Eles a chamarem-me. "Mats Magnusson, Mats Magnusson." Uma história para contar à família à volta da lareira. Ou agora ao telefone contigo. Obrigado.