Futebol português, um jogo viciado
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Futebol português, um jogo viciado


"Num artigo publicado neste jornal, no dia 17, Bruno Prata (BP) entendeu que o comunicado dos órgãos sociais do Benfica misturava "alhos com bugalhos". BP é um dos poucos jornalistas desportivos portugueses que aliam a isenção à competência e a lucidez à independência, o que torna a sua opinião sobre este tema mais relevante e, por isso, mais digna de ser rebatida.

Sou um benfiquista confesso, mas sou, acima de tudo, pela "verdade desportiva", frase que, de tão gasta, parece ter-se tornado descartável. Nunca me sentiria confortável se o meu clube ganhasse sem mérito, recorrendo à batota, à corrupção ou ao abuso do poder. Nunca aceitaria que a direcção do meu clube tomasse a iniciativa, participasse ou fosse conivente com práticas antidesportivas ou jogos de bastidores, corrompesse árbitros ou dirigentes, jogadores ou agentes desportivos. No tempo de Vale e Azevedo estive do lado dos que denunciaram as suas intenções e os seus métodos. E, relativamente ao consulado de Luís Filipe Vieira, tive ocasião de criticar algumas das suas escolhas no plano desportivo e de discordar de algumas decisões e atitudes. Mas sempre o apoiei na sua luta pelo apuramento da verdade no caso Apito Dourado.

Dito isto, entendo que posso dar algum contributo para rebater a ideia de que o comunicado "mistura alhos com bugalhos" e "dispara em todas as direcções". Pelo contrário, acho que, para quem queira ler nas entrelinhas, tem um alvo muito preciso e é de uma grande coerência. Mesmo na proposta, discutível e quiçá utópica, de pedir aos adeptos que não assistam aos jogos do Benfica no campo dos adversários.

Quais são as entidades visadas no comunicado? O secretário de Estado do Desporto, a Olivedesportos, a Liga (ao ameaçar boicotar a Taça) e a sua Comissão de Arbitragem, os outros clubes e o ministro da Administração Interna (MAI). O que liga tudo isto? Uma ideia muito simples: a de que o futebol, para além de ser um desporto e uma paixão, é uma indústria e um negócio. O que exige regras claras e práticas transparentes e o primado da lei e da justiça. Ora, aquilo a que o país inteiro assistiu nestes últimos vinte e alguns anos foi à montagem e consolidação de um sistema de viciação dos resultados, que transpareceu nas escutas e nas investigações posteriores, e que levaram, por exemplo, aos castigos aplicados no processo do Apito Final. Mas que deixaram impunes todos os envolvidos nos processo-crime levantados pelo Ministério Público, o que manchou a credibilidade dos juízes e dos tribunais e deixou campo livre aos prevaricadores para voltarem a agir nos bastidores. É o que se percebe que está a acontecer neste campeonato, em que o FC Porto conta, na actual Liga, com uma maioria de elementos afectos ao clube e em que se tem assistido a uma escandalosa viciação dos resultados em seu favor e em claro prejuízo do Benfica. A verdade é que no pequeno mundo do futebol nacional reina a ideia da retomada em mão dos destinos do campeonato pelo clube dirigido por Pinto da Costa.

O que o comunicado do Benfica diz, ao atacar Laurentino Dias por se ter mantido em silêncio durante a farsa jurídica do Apito Dourado (quando não hesitou em tomar partido sempre que estava em causa outra forma de viciação dos resultados como é o doping, cuja autonomia deveria, nesse caso, igualmente ter respeitado), é que, tendo falhado qualquer esperança de que a Justiça venha, em prazo útil, a pôr ordem e verdade no futebol, o Benfica, como maior clube português e aquele que mais adeptos mobiliza, só tem um modo de fazer ouvir a sua voz e repor a verdade nas competições: atacar onde dói. E onde dói é nos cofres dos clubes e das instituições que vivem do negócio do futebol: Liga e Olivedesportos. O que o comunicado diz é que não contem com o Benfica para pactuar com a batota, e que os clubes e as instituições têm que assumir as suas responsabilidades, deixar de ter medo e colaborar na limpeza do futebol profissional.

Por fim, pede-se a intervenção do MAI. A razão é simples: o Benfica não está disposto a ser impunemente agredido, no campo, fora dele e nas suas casas regionais, como forma de intimidação, sem que isso tenha consequências nem se tomem medidas que previnam a sua repetição. Portugal não é um país violento, e a briosa e pacata cidade do Porto não é Palermo. O que se espera, então, para prevenir futuros desacatos e castigar exemplarmente os agressores e identificar os seus mandantes?"

António Pedro Vasconcelos, in Jornal Público.



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