Os duros «rapazes dos colchões»
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Os duros «rapazes dos colchões»



"Benfica e Atlético de Madrid são velhos conhecidos: o primeiro jogo entre ambos data de 1919! É obra! Muitos outros, no entanto, ficaram para a história dos dois clubes. Como os dois disputados em 1965, em Caracas, na Venezuela...

Recordar encontros entre o Benfica e o Atlético de Madrid seria fácil. Demasiado fácil. Verdade, porém, que nenhum mais importante do que estes dois vindouros que contarão para a Liga dos Campeões. É assim mesmo a história do futebol: longa e plena de reencontros.
Se o meu estimadíssmo leitor não sabe, deixo-lhe aqui a informação que o primeiro jogo a opor 'águias' e 'colchoneros' data, veja bem, de 5 de Outubro de 1919. Ou seja, não tardará a cumprir 100 anos... É obra! Realizou-se em Madrid, durante uma digressão dos encarnados que venceram por 2-1. Supimpa!
A partir daí, houve muitos e saudáveis frente a frente, com vitórias de ambos os lados, sempre em jogos particulares ou fazendo parte de torneios de prestígio para os quais Benfica e Atlético foram convidados. nos próximos artigos, recordarei alguns, escolhidos a dedo.
O Club Atlético de Madrid é bem antigo, foi fundado em 1903, é ligeiramente mais velho do que o Benfica, e surgiu originalmente como Athletic Club de Madrid, com o Athletic grafado igual ao de Bilbau já que foram estudantes bascos que estiveram na sua origem. Eis porque os equipamentos e emblemas também são parecidos. E nasceu com bases populares, bem diferente do vizinho elitista Real.
As famosas camisolas às risquinhas não tardaram a valer-lhe a alcunha: pareciam-se com o forro dos colchões de palha - e daí 'colchoneros'.
Depois da Guerra Civil Espanhola, Franco, o caudilho, proibiu tiques estrangeirados no castelhano: o Athletic passou a Atlético. Com a fusão com o Aviación Nacional, de Saragoça, foi Atlético Aviación de Madrid até 1947. Caiu então a ligação à força área e a nomenclatura passou a ser a que ainda hoje em dia existe.
1947: fixemo-nos neste ano, para já. E porquê? Para assinalar que, entretanto, o Benfica e Atlético de Madrid continuaram a cruzar os seus caminhos.
Em 1924, por exemplo, os madrilenos vieram a Lisboa no mês de Março: dois jogos e duas vitórias para o Atlético (2-1 e 2-0).
Dez anos mais tarde, nova visita: no dia 1 de Abril um emocionante 4-4.
Em seguida saltamos para 1965. E para a pequena Taça do Mundo!

Caracas, Venezuela, Julho
Torneio de Caracas, também conhecido por Pequena Taça do Mundo.
Um dos mais famosos torneios internacionais do seu tempo, sobretudo por aglomerar equipas de diversos continentes. Damián Gaubeka, empresário basco que reside em Caracas, foi o ideólogo da prova que ganhou, nas suas primeiras edições, o nome do presidente venezuelano Marcos Pérez Jiménez. A Federação Venezuelana era responsável pela organização e, sob a regra de só se aceitarem clubes que tivesse ficado nos primeiros quatro lugares dos seus campeonatos, os jogos eram dirigidos por árbitros FIFA. Um luxo!
Duas fases marcaram o torneio: de 1952 a 1957 e de 1963 a 1975.
O Benfica esteve presente por duas vezes - em 1955, com o São Paulo (Brasil), Valência (Espanha) e La Salle (Venezuela), e em 1965, que nos interessa mais para o caso. E era aqui que eu queria chegar. Porque no dia 11 de Julho de 1965, Atlético de Madrid e Benfica defrontaram-se perante mais de 40 mil espectadores.
Entraram em campo com arbitragem do chileno Ifafia:
BENFICA - Costa Pereira; Augusto Silva, Germano, Raul e Cruz; Neto e Coluna; José Augusto, Eusébio, Torres e Yaúca.
ATLÉTICO DE MADRID - Madinabeytia; Rivilla, Griffa, Calleja e Ruiz Sosa; Glaria e Ufarte; Luís, Mendonça, Adelardo e Cardona.
Logo aos 4 minutos, Cardona dava vantagem aos duros rapazes dos colchões. Tudo corria mal ao Benfica. A equipa portuguesa via-se batida em velocidade e agressividade. Não se estranhou, por isso, que o jogo tombasse para o lado espanhol. Queixar-se-iam alguns dos encarnados que ainda lhes pesava nas pernas o esforço dispendido três dias antes, no Rio de Janeiro, num jogo frente ao Vasco da Gama (1-1).
Na segunda parte, o resultado dilatou-se com mais um golo de Cardona e outro do português (depois naturalizado espanhol) Jorge Mendonça.
0-3: derrota dura. Mas com direito a desforra em breve.
O torneio prosseguiu com a vitória do Atlético sobre os venezuelanos do Deportivo de Galícia, clube fundado pelos emigrantes galegos de Caracas, por 1-0.
Em seguida foi a vez de o Benfica defrontar os «galegos». Nova derrota, desta vez por 1-2, utilizando uma equipa de reserva «enxertada» com Eusébio na segunda parte. Foi ele que marcou o golo solitário.
Mistérios que só a organização da Pequena Taça do Mundo seria capaz de desvendar, o efeito desta nova derrota nas possibilidades de conquistar o taça em disputa foram nulos. Os dois jogos entre europeus e sul-americanos não entravam nas contabilidades. Valiam apenas os pontos (e não golos) obtidos entre lisboetas e madrilenos. Ou seja, para a «révanche» do dia 17 de Julho bastava ao Atlético de Madrid um empate; o Benfica necessitava de vencer fosse porque resultado fosse. Se isso sucedesse, havia lugar a um prolongamento e o desfecho desse prolongamento ditaria o triunfador como se de um mini-jogo independente se tratasse. Confuso? Pois sim. Expliquei-me no melhor português que conheço. Perdoem-me.
Dia 17, o árbitro foi o venezuelano Osório.
BENFICA - Costa Pereira; Augusto Silva, Germano, Raul (Calado) e Cruz; Neto e Coluna; José Augusto, Torres, Eusébio e Yáuca.
ATLÉTICO DE MADRID - Rodri; Rivilla, Griffa, Calleja e Ruiz Sosa; Glaria e Ufarte; Luis, Mendonça, Adelardo e Cardona.
A chuva tornara o relvado pesadíssimo. O futebol foi mais lutado do que jogado. Ao contrário do que acontecera no primeiro jogo, a defesa do Benfica anulou por completo o moçambicano que ganhara o nome espanholado de Mendonza.
No início do segunda tempo, Torres, a passe de Eusébio, fez 1-0. O Benfica dominava mas os seus remates eram infrutíferos. O publico gritava de entusiasmo e exigia golos. Debalde. No final dos 90 minutos tudo na mesma.
Seguiu-se o prolongamento. Era quase um «quem marca ganha» das peladinhas infantis. O vencedor do prolongamento, arrecadaria a taça. E que bela taça! Foi preciso esperar... e esperar...
Calado, com um remate rasteiro, de longe, fez o 1-0 em cima do outro 1-0 a cinco minutos da meia-hora suplementar.
A vitória era 'encarnada', mas sem ser às riscas como nos colchões..."

Afonso de Melo, in O Benfica



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