Dois dentes e um saco de pedras
Benfica

Dois dentes e um saco de pedras


"Um árbitro que se refere a si próprio num majestático plural viu-se, pelos vistos, a contas com um rufia que lhe saltou inopinadamente ao caminho num centro comercial de Lisboa. O meliante tratou de o afredir à cabeçada, como era hábito antigo nas rixas do Cais do Sodré. Pressuroso, na altura em que se viu obrigado (e bem) a identificar-se perante as autoridades policiais, o maganão assumi-se como adepto do Benfica. Está, a partir de agora, (e bem repito) a contas com a justiça portuguesa, exceptuando as lides tauromáquicas, não é à marrada que se dirimem os conflitos, por mais acessos que eles sejam.

O facto de o dito agressor se ter, ao que consta, identificado como adepto do Benfica, não agura nada de bom numa fase da vida em que as meretíssimas iluminárias estão de mãos livres após terem conduzido ao arquivamento de todas as falcatruas do processo «Apito Dourado».

Um coro de vozes indignado ergueu-se (e bem, volto a dizer) na condenação do gesto brutal que valeu ao plural árbitro um estrago significativo nos incisivos. Nada, nem a incompetência, que por acaso o cujo exibe semanalmente um pouco por todo o País, justifica o gesto bárbaro, estúpido e indesculpável. Mas desta vez não se ergueu uma voz entaramelada e sifilítica a perorar sobre palhaços que podem andar por ái a dizer que são agredidos. Estranho... Ou talvez o Madaleno estivesse distraído a jantar marisco com algum senhor de cócoras com a dentição completa...

Néscio, o cabeceador de centros comerciais tem agora à perna a farda e a toga. Faltou-lhe arte e imaginação. Se em vez da cabeça tivesse usado um saco de pedras; se sem vez de um centro comercial tivesse usado um manhoso viaduto dos arredores de Contumil; se em vez de apontar à boca do plural árbitro lhe tivesse visado o pára-brisas do carro, estaria neste momento na paz celestial dos anjos. Nunca ninguém o identificaria, muito menos o conduziria a uma esquadra, não corria o risco de dissabores judiciais e ainda haveria gente capaz de jurar que era adepto do Salgueiros..."


Afonso de Melo, in O Benfica



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