Benfica
Rigoletto e Sparafucile
"Ninguém sabe se veio ou se não veio. Se é autêntico ou um produto da nossa imaginação. A verdade é que a sombra do vigilante pairou sobre o palco como uma maldição de tempos coevos. Eram olhos sobre olhos. Um olhar a tomar conta de todos os olhares. Neves Moreira tremeu como se, de repente, se esquecesse da sua fala. Não deixou, por esse motivo, de ser incompetente. Mas tremeu. Habituando a que sejam permitidas todas as malfeitorias ordenadas pelo Madaleno, sentiu sobre si, e sobre os seus actos, uma atenção inusitada. Inusitada porque isenta. Repito: tenha ela sido um facto ou não. E as pedras e os calhaus??? Ficaram nos bolsos. E as bolas de golfe??? Ficaram guardadas nas lancheiras à mistura com côdeas ressessas e tripas enfarinhadas frias.
Houve quem, por isso, tivesse perdido a viagem. Outros, mais afoitos, debandaram na busca ansiosa de um viaduto sem guarda, cosidos com as esquinas, saco de seixos ao ombro como se carregassem o cadáver de Gilda, filha de Rigoletto. Ah! Porque neste teatro do grotesco também existe um Sparafucile, assassino desta vez assassinado com um golpe nos glúteos. Tudo mentira, tudo falso, tudo ópera, tudo palhaçada! O saco de seixos é, desta vez, atirado às águas barrentas do rio: só a ponte do velho Eiffel ficou sem guarda. O Madaleno faz de Duque de Mântua. Leva jeito no seu jeito de nenhum jeito ter. Troca olhinhos com Madalena e faz-se desinteressado da peça que vai chegando aos fim. É também a ele que vigiam, se é que vigiam. Mantém-se distante, quase mudo. Tem medo! Sim, ele também tem medo. Eras começam a sumir-se no tempo que de eras vem. Sempre foi um poltrão disfarçado de artista. E remói a inveja. Não queria ter o papel de Duque. Queria ser Rigoletto - nasceu para bobo da corte."
Afonso de Melo, in O Benfica
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Medo
"A infância é o país da inocência mas também dos medos. Aqueles medos com os quais somos obrigados a viver. Tentei desde cedo erradicar o medo da minha vida. Ou melhor, o medo existe mas há algo que nos leva para além dele porque é assim que se...
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A Matilha
"A Matilha não morde, mas mente. É essa a sua arma: a mentira. Foi para isso que os escolheram a dedo: medíocres intelectuais, fracassados nas suas profissões, gente basicamente reles e facilmente manobrável. São pagos como príncipes, estes mendigos...
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"O Madeleno está feliz. Volta e meia, o Madaleno está feliz porque vem à cidade. Parolo, semi-analfabeto, põe-se à estrada cantarolando musiquinhas ordinárias e recitando poemas que não sabe e nem sequer sabe que não sabe. A alegria do pacóvio...
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"Um árbitro que se refere a si próprio num majestático plural viu-se, pelos vistos, a contas com um rufia que lhe saltou inopinadamente ao caminho num centro comercial de Lisboa. O meliante tratou de o afredir à cabeçada, como era hábito antigo...
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