As principais sociedades anónimas desportivas (SAD) cotadas na bolsa portuguesa (FC Porto, Benfica e Sporting) apresentaram na semana passada os resultados referentes ao primeiro trimestre da época desportiva 2013/2014 e na sua crónica de dia 28 de novembro o excelente jornalista de economia Pedro Santos Guerreiro (PSG) tecia sobre este tema, nas páginas do Record, quatro notas de particular importância: 1) uma dívida financeira acumulada de 663,3 milhões de euros e a aumentar é difícil de pagar; 2) os ativos não conseguem cobrir a dívida, devido à sua volatilidade; 3) os clubes dependem de resultados extraordinários, ou seja, da venda de direitos desportivos dos jogadores 4) “[…] Os clubes terão de descer o seu endividamento. Ou fazem a bem, ou acabará por correr mal.”
As considerações de PSG para além de pertinentes põem a nu duas evidências: a) se a dívida não descer, a atividade pode ficar comprometida; b) o modelo de negócio dos clubes portugueses é periclitante, pois aparentemente baseia-se nos “ativos”.
Surge então uma pergunta complexa: como baixar a dívida e recriar o modelo de negócio?
E a resposta é: mudar/recriar o modelo de negócio, gastar menos e amortizar rapidamente a dívida. Tanta prosa para algo tão simples e evidente. Pois é, mas a questão está em ter vontade para as pensar e executar, e sabedoria para não desistir.
Começando pelo modelo de negócio. O modelo de negócio descreve a lógica de como a SAD cria, entrega e captura valor (isto é, desenvolve o produto, o vende e entrega, e regista lucros) prolongando as oportunidades comerciais, no fundo, como se ganha dinheiro hoje e amanhã. O processo do modelo de negócio é baseado na estratégia, ou seja, saber-se “onde jogar” (especifica o mercado-alvo em termos de clientes e as necessidades a serem atendidas) e “como jogar” [enuncia a proposta de valor (produto) que vai distinguir a oferta do clube aos olhos de seus clientes-alvo, juntamente com as capacidades que lhe proporcionam uma vantagem no fornecimento da proposição de valor].
Parece ser aqui que se encontra um dos constrangimentos, enquanto as SAD sabem (ou aparentam saber) quem é o seu cliente-alvo, não conseguem apresentar uma proposta de valor (produto) que estimule o dito cliente-alvo a mudar os seus hábitos e a “deixar” mais dinheiro na caixa registadora da SAD. Observe-se o seguinte: para a consultora Delloite, que produz anualmente um relatório (Football Money League) sobre o negócio do futebol na Europa, existem três classes de receitas (exclui a venda dos direitos desportivos) que provam a saúde financeira dos clubes: 1) “matchday” que é tudo aquilo que é relacionado com a venda de bilhetes de jogo, bilhetes anuais, cativos e camarotes; 2) direitos televisivos e radiofónicos; e 3) atividade comercial, que é tudo o que se relaciona com merchandising e patrocínios.
Estas três classes devem gerar receitas que cubram as principais rubricas de custos da SAD, fornecimentos e serviços externos, custos com o pessoal, custo das vendas, devido à elevada dívida os custos financeiros, e que sobre ainda dinheiro para futuros investimentos. Nenhuma das SAD mencionadas neste texto o consegue fazer, daí os crónicos prejuízos. Pois é, dizem alguns, a venda de direitos desportivos dos atletas compensa o défice operacional. Tal como menciona PSG no seu artigo de opinião, isso é uma falácia, pois “[…] os jogadores podem ou não ser vendidos pelo valor esperado […]” e quando a época não corre de feição a volatilidade faz o seu trabalho e o valor de mercado do jogador passa do 80 para o 8. Fantástico! Pois é, de repente a SAD passou a ter uma mão cheia de nada e muitas faturas para pagar.
Assim sendo, a solução passa for criar um produto (proposta de valor) que atraia o cliente-alvo ao estádio, em virtude das outras duas classes de receitas serem contaminados positivamente pelo “matchday”. No negócio da “bola” a produção de um excelente espetáculo desportivo passa pelos dirigentes perceberam que este negócio é o único que vive da concorrência existente entre as equipas (observe-se a linha de orientação e as práticas da NBA), da sua beleza (golos e criatividade), da luta em campo pela vitória, e da cooperação entre competidores na definição da estratégia macro do sector (olhar para a floresta e não somente para o ramo da árvore, ou, esquecer o umbigo. Coisas difíceis neste nosso quintal plantado à beira-mar).
No que diz respeito aos direitos desportivos dos jogadores, devem ser considerados como “resultados extraordinários”, ou seja, não fazerem parte do essencial (core) do modelo de negócio. Não concorda? Sem problema. Tente construir um modelo de negócio baseado na venda de direitos desportivos e provavelmente constatará que se a proposta de valor (produto) for pouco atrativa ninguém vai ao estádio, os jornalistas não se interessam em comunicar as habilidades dos intervenientes, a conversa sobre os “magníficos jogadores” não acontece, os “olheiros” não pedem bilhetes e por fim ninguém se interessa a nível internacional pelo que se passa no futebol luso. Como não há interesse, só irão aparecer alguns predadores ocasionais que querem ouro pelo preço da uva, e lá se vão as receitas sustentadas provenientes dos ativos.
Em relação ao corte na despesa, sigo o raciocínio de PSG e escrevo: ao fim de quase quatro anos todos nós portugueses já temos um mestrado sobre o assunto. No entanto, há que aprender com os erros feitos neste período e não cortar nos investimentos que garantem o futuro. O que no caso das SAD são os jovens jogadores que podem despontar na primeira categoria e algumas oportunidades de jovens jogadores de elevado potencial que aparecem nos mercados externos (aqueles que custam “tostões”, não milhões).
Por último, talvez seja útil que os poucos excedentes de tesouraria sejam empregues na amortização da dívida para os custos financeiros baixarem. E, já agora, talvez seja de bom senso não comprar jogadores que pouco provaram por preços quase obscenos (dúvida, é só ler um dos relatórios apresentados à CMVM e facilmente descobrirá).
Pois é! Os números querem-se fazer ouvir, mas quem os deve escutar anda provavelmente entretido com o acessório do negócio. Por que será?
loading...
7.ª aniversário da BenficaTV celebrado com estilo, num momento muito importante da vida do Benfica. A questão da dívida financeira do Benfica é um problema estrutural do Clube (SAD), e não é nada fácil resolver este problema. O Benfica tem pago...
"1. Agora é a sério: a Liga de Futebol Profissional denunciou as ilegalidades dos contratos de transmissão televisiva da PPTV/Olivedesportos/Sport TV junto da Autoridade da Concorrência. Este é o passo que nunca ninguém quis dar e que só a eleição...
Depois de receber várias propostas, o Sporting ainda não tomou uma decisão acerca de quem será o patrocinador das camisolas do clube na próxima temporada e critica e Benfica e FC Porto por negociarem unilateralmente.«Os nossos rivais resolveram...
António Samagaio discorda de Angelino FerreiraNum artigo escrito para o jornal "Público" no dia 21 de Junho, Angelino Ferreira defendeu que a co-propriedade de passes de jogadores com alguns fundos económicos era a única solução que o FC Porto...
Foi aprovado pela UEFA o Regulamento de fair play financeiro que visa combater a actual tendencia de endividamento exagerado por parte dos clubes europeus, fruto de contratações e salários milionários. A primeira avaliação será feita na época...